O Brasil e o mundo comemoram, no último dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, com reflexões sobre os lugares ocupados pelas mulheres na sociedade. No Brasil, os temas centrais são a baixa presença feminina em cargos de gestão e tomada de decisões, o número pouco expressivo de mulheres eleitas em 2020 e a violência de gênero — como estupros e feminicídio — ainda frequente no país.
Com a pandemia de covid-19, tais reflexões são ainda mais necessárias. Oficialmente, o Dia Internacional da Mulher passou a ser comemorado em 1975, ano escolhido pela ONU como o Ano Internacional da Mulher, para lembrar suas conquistas políticas e sociais.
A data ainda é vista por muitos como apenas um momento comercial, mas desde o seu início extra-oficial, ocorrido nas primeiras décadas do século 20, foram as reinvindicações de mulheres operárias que buscavam condições mais dignas de trabalho que fizeram a data se popularizar em países como Alemanha, Rússia e Estados Unidos.
Dia das mulheres e a realidade da América Latina e Caribe
Em seu relatório “A autonomia das mulheres na mudança de cenários econômicos”, publicado em janeiro de 2020, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) mostrou dados importantes sobre a realidade e as perspectivas das mulheres que vivem na região. É necessário ponderar que os dados são anteriores à declaração oficial da pandemia de covid-19, que com certeza agravou o cenário.
Segundo o relatório, o número de mulheres sem renda própria na América Latina e Caribe reduziu bastante entre 2002 e 2018 — de 41% para 27,5% — mas é ainda mais do que o dobro do total de homens na mesma situação (13,1%). Isso mostra que quase 1/3 das mulheres da região ainda dependem inteiramente de outras pessoas para viverem, o que as coloca em situação extrema de vulnerabilidade e abre portas para questões como a violência doméstica.
Ainda segundo o relatório da Cepal, a situação de pobreza das mulheres na região piorou entre 2002 e 2018: passou de 105 mulheres para cada 100 homens para 113 mulheres para cada 100 homens.
As desigualdades de gênero, de acordo com o material, dificultam o desenvolvimento sustentável da região:
“As desigualdades de gênero são um obstáculo ao desenvolvimento sustentável, e as mudanças no cenário enfrentado pela região são uma manifestação da urgência de avançar decisivamente em direção a estilos de desenvolvimento que contemplem a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres, bem como a garantia dos direitos de todas as pessoas, sem exceção”
O futuro das mulheres latinas e caribenhas que tinham alguma ocupação remunerada à época do lançamento do relatório da Cepal também não era nada animador. Do total de mulheres da região, 50,1% executam trabalhos ou serviços não qualificados, que são passíveis de automação. O ritmo acelerado dos avanços tecnológicos e a tendência da substituição do trabalho humano por máquinas tornam as perspectivas dessas pessoas ainda mais incertas.
Dia das mulheres é o dia de quem cuida
O trabalho de cuidado, aquele que é responsável pelo bem-estar de crianças, idosos, pessoas doentes e pessoas com alguma deficiência, além dos serviços domésticos, é historicamente responsabilidade feminina. De acordo com o relatório Tempo de Cuidar, da Oxfam Brasil, “mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo”.
Se olharmos especificamente para o Brasil, a diferença entre a quantidade de mulheres e homens executando esses trabalhos é grande: de acordo com a Pnad Contínua 2018, do IBGE, 37% das mulheres declararam ter exercido cuidados no Brasil em 2018, enquanto 26% dos homens declararam o mesmo.
Além disso, se observarmos a remuneração de homens e mulheres, a desigualdade também é grande. Em média, uma mulher no emprego doméstico no Brasil ganha 78,44% do rendimento de homens que exercem as mesmas funções. O trabalho de cuidado também abre margem para a informalidade: as mulheres que não tinham carteira de trabalho assinada receberam, em 2018, R$ 707,26 – o valor para homens era de R$ 1.210,94.
Dia das mulheres e o aniversário da pandemia
No dia 11 de março de 2021, apenas três dias depois do Dia Internacional das Mulheres, a pandemia da covid-19 completou 1 ano. Diante de todas as desigualdades expostas, as sofridas pelas mulheres negras, que são maioria nas situações de vulnerabilidade econômica, merecem e precisam ser cada vez mais divulgadas.
Podemos usar como exemplo a realidade vivida pelas mulheres negras profissionais de saúde. Segundo pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), em 2020, mulheres negras sofreram mais assédio moral, sentiram-se menos preparadas para exercer suas funções e tiveram sua saúde mental mais afetada pela crise sanitária.
Uma lembrança que nos empurra para frente
Oficializar e “celebrar” o Dia Internacional das Mulheres deve servir como uma lembrança do que motivou a criação da data, de todas as conquistas vividas por mulheres no último século e, acima de tudo, das muitas transformações necessárias para que a sociedade tenha efetivamente igualdade entre gêneros.
Entender qual é a realidade das pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade é um passo fundamental para que possamos fazer a nossa parte no enfrentamento desse cenário.
Confira nosso relatório Tempo de Cuidar e nos ajude a divulgar os dados sobre o trabalho de cuidado e as pessoas que o executam. Junte-se a nós nessa luta e faça essas informações chegarem cada vez mais longe.