Estudo lançado nesta segunda-feira (5/4) e conduzido pela Rede PENSSAN, com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil e Oxfam Brasil, aponta que mais da metade dos lares brasileiros conviveu com algum grau de insegurança alimentar nos últimos três meses de 2020 e cerca de 19 milhões de pessoas passaram fome no período.
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) é constituída por pesquisadores, professores, estudantes e profissionais do setor de segurança alimentar.
Os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil foram coletados nas cinco regiões brasileiras entre os dias 5 e 24 de dezembro de 2020, em áreas rurais e urbanas, justamente quando o Auxílio Emergencial havia sido reduzido pela metade. Especialistas apontam que, com a nova diminuição do auxílio, o quadro deve piorar.
Fome e Auxílio Emergencial
Os números da pesquisa são o dobro do que fora registrado em 2009, e representa um regresso ao nível observado em 2004, quase um ano após o lançamento do programa Fome Zero.
A pesquisa foi realizada no período em que o auxílio emergencial do governo federal, concedido inicialmente a 68 milhões de brasileiros, foi reduzido pela metade (de R$ 600 mensais para R$ 300 mensais). Entre janeiro e março de 2021, não houve pagamento do auxílio, e a população que vinha sendo atendida pelo auxílio ficou sem o amparo. O auxílio emergencial voltou a ser pago a partir de abril de 2021, mas para um público mais restrito e em valores ainda menores: variam de R$ 375 (para famílias chefiadas por mulheres) a R$ 150 (para quem mora sozinho).
“Com a diminuição do auxílio emergencial e a falta de clareza sobre quem irá, de fato, recebê-lo, o país deve persistir num grave quadro de insegurança alimentar. A forma com que os governos vêm lidando com as crises econômica e política dos últimos anos, sobreposta à pandemia da Covid-19, geraram impactos negativos profundos no direito humano à alimentação adequada e saudável do povo brasileiro”, afirma Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede PENSSAN.
Destaques da pesquisa
Nesse período da pandemia, a fome se fez mais presente justamente entre as famílias com menor renda familiar per capita. É notável que a insegurança alimentar moderada e grave desaparece em domicílios com renda familiar mensal acima de um salário mínimo por pessoa. Mais de ¾ desse grupo (76,6%) está em condições de segurança alimentar. Número que cai drasticamente para 47,6% para quem tem renda familiar per capita mensal de meio a um salário mínimo.
O estudo evidencia uma relação entre segurança alimentar e gênero. Existe fome em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres, e outros 15,9% enfrentam insegurança alimentar moderada. Quando a pessoa de referência é um homem, os números são menores: a fome atinge 7,7% dos domicílios, e outros 7,7% estão na situação de insegurança alimentar moderada.
Há, também, uma forte ligação entre fome e cor da pele. Pessoas pretas ou pardas enfrentam insegurança alimentar grave – ou seja, passam fome – em 10,7% dos domicílios. O percentual é de 7,5% em domicílios de pessoas de raça/cor da pele branca. A insegurança alimentar moderada também revela esse desequilíbrio: 13,7% para pessoas de raça/cor da pele preta ou parda, e 8,9% para pessoas de raça/cor da pele branca.
As desigualdades foram percebidas, também, entre as diferentes regiões do Brasil. No Norte e no Nordeste, a fome chega a, respectivamente, 18,1% e 13,8% dos domicílios. Esses percentuais não chegam a 7% nas demais regiões do país, e superam o dado de 9% referente a todo território nacional. Passa-se mais fome no Norte e Nordeste do que em outras regiões.
No campo, os índices de fome são maiores – a pesquisa indicou que a insegurança alimentar grave alcançou 12% dos domicílios na área rural, contra 8,5% em área urbana. A vulnerabilidade acompanha quem tem menor acesso à água potável. Nas áreas rurais, a proporção de domicílios classificados em situação de insegurança alimentar grave dobra quando não há disponibilidade adequada de água para a produção de alimentos (21,1% para 44,2%).
Mas não foram só os mais pobres que foram impactados pela insegurança alimentar durante a pandemia. Comparada aos dados do IBGE de 2018, a pesquisa aponta que apenas dois anos depois, em 2020, a proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar leve quase dobrou, passando de 20,7% para 34,7%, mostrando que a classe média não foi poupada dos efeitos da pandemia.
“Era previsível que a comida, tanto sua disponibilidade como o acesso a ela, viesse a ocupar o centro das preocupações e urgências no contexto de pandemia pela qual estamos passando, ao lado, e como complemento indispensável, dos cuidados com a saúde das pessoas infectadas, ou não, pelo vírus mais recente”, explica Renato Maluf, Coordenador da Rede PENSSAN.
Tem Gente Com Fome
Em um ano de pandemia de coronavírus, mais de 300 mil pessoas morreram por conta da doença no Brasil, milhões foram contaminados e outros milhões perderam seus empregos e renda. A fome e a miséria batem à porta das casas dessas famílias.
Para ajudar essas pessoas, diversas organizações da sociedade civil brasileira se juntaram para arrecadar recursos para ações de combate à fome, miséria e violência. A campanha de ajuda humanitária Tem Gente Com Fome está sendo feita pela Coalização Negra por Direitos, em parceria com a Oxfam Brasil, Anistia Internacional, Associação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), Redes da Maré, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituo Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô.