“Ele falava que era um preço para a gente apanhar bastante café, e depois quando ia pagar, era outro preço, mais barato. A gente não ganhava nada. A gente queria ver se ficava até o fim para ver se pelo menos ele dava a passagem para a gente vir embora. Mas nós já estávamos descobrindo que nem a passagem ele ia dar para nós” Maria, 37 anos, trabalhadora resgatada em condições análogas à escravidão na colheita de café no sul de Minas.
Não é só de violência física e psicológica que padecemos como sociedade. A violência econômica permeia nossas vidas, nossas formas de organização social, e é um dos sintomas da injustiça e da desigualdade que enfrentamos.
No último dia 16 de janeiro, a Oxfam lançou o relatório “Desigualdade Mata” que revela como nosso sistema econômico, e a desigualdade de renda e riqueza que é parte dele, mata pessoas e oprime a maior parte da população. Um sistema que torna crises como a pandemia de covid-19 ou as mudanças climáticas ainda piores do que são – em especial para quem vive em situação de vulnerabilidade, aqueles com menos renda, as mulheres, as populações negras e indígenas.
A violência econômica é um aspecto estrutural de nossa sociedade. É consequência de escolhas políticas, do desenho das políticas públicas, das leis, das instituições e das regras (escritas ou informais) que favorecem a acumulação de poder e riqueza por aqueles que já são ricos e poderosos. Isso causa dano direto à maioria das pessoas ou a grupos em situação de vulnerabilidade.
No geral, pode parecer algo abstrato, mas a violência econômica está refletida em diversos aspectos que fazem parte do nosso dia a dia. Um exemplo é o café, nossa bebida diária.
Na produção de café existem diferentes agentes econômicos envolvidos: os trabalhadores, as empresas que vendem insumos, os produtores, os exportadores, os torrefadores, as grandes marcas de café e os supermercados. Porém, alguns desses agentes se apropriam da maior parte da riqueza gerada, muito além de sua contribuição real para que o café chegue em nossas mesas. Um grupo em particular sofre a maior parte do “dano” decorrente disso: os trabalhadores rurais. São pessoas, em sua maioria negras, que estão entre os 30% mais pobres do Brasil. Muitos vivem no limiar da pobreza extrema e da fome. Sofrem com frequentes violações de direitos, em especial com o trabalho análogo ao escravo.
Um exemplo recente ocorreu quando um dos maiores produtores associados[1], a maior exportadora de café do Brasil, teve sua fazenda flagrada com trabalho escravo[2]. Esse é um exemplo da violência econômica cometida por ele contra aqueles trabalhadores. Mas também é um exemplo desse sistema injusto maior, em que grandes produtores, grandes exportadores, grandes marcas e grandes redes de supermercados ficam com a maior parte da riqueza gerada pelo café, ficando os trabalhadores com uma parte muito pequena, que os impede de conseguir uma vida digna.
Essa violência econômica presente
nas relações de produção de alimentos nutre a desigualdade em nosso país e mantém
vivo o trabalho escravo nos dias de hoje. Quanto maior a desigualdade, mais
injusta é nossa sociedade, e mais casos de graves violações de direitos humanos
surgirão. O trabalho escravo, nesse contexto, não é exceção. É uma expressão
mais extrema da mesma característica do sistema que gera a pobreza, a
desigualdade e a miséria – a violência econômica.
[1] https://exame.com/revista-exame/200-maiores-grupos-2/
[2] https://opopular.com.br/noticias/cidades/opera%C3%A7%C3%A3o-flagra-87-trabalhadores-rurais-em-condi%C3%A7%C3%B5es-an%C3%A1logas-%C3%A0-escravid%C3%A3o-em-s%C3%ADtio-d-abadia-1.2095085