É estarrecedor ver um presidente da República brasileiro afirmar em uma reunião de líderes internacionais, sem pudor algum, que o Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas pelo mundo e evitou uma crise alimentar global, na semana em que um relatório de pesquisadores da área de segurança alimentar e nutricional revela que há mais de 33 milhões de pessoas passando fome no país. Foi o que aconteceu nesta sexta-feira (10/6), na Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles (EUA).
Sem o menor constrangimento – a não ser o causado a quem ouve suas palavras -, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em seu discurso que o Brasil desempenhou um papel de liderança na busca de soluções internacionais em favor da segurança alimentar. Esse mesmo presidente foi o responsável pelo fim do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no primeiro dia de seu mandato, em 2019, e de lá pra cá agiu incessantemente no desmonte das políticas públicas do país de combate à fome, cortando investimentos em programas importantes como o de aquisição de alimentos e de alimentação escolar. Não à toa o Brasil voltou aos tristes patamares de fome dos anos 1990, conforme releva o relatório sobre a fome da Rede Penssan lançado esta semana.
Bolsonaro também desprezou a realidade sobre a preservação do meio ambiente e florestas brasileiras, que vêm sendo destruídas em ritmo cada vez maior pela exploração desenfreada de mineradoras, garimpeiros, agronegócio e madeireiros. O presidente brasileiro celebrou a legislação ambiental do país, mas convenientemente omitiu que seu governo se esforça diariamente para desmontá-la.
Bolsonaro mente que nem sente. Os poucos e tímidos aplausos ao final de seu discurso na Cúpula das Américas revelam que nem todo mundo cai em seus devaneios.
Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil