Foto: Tatiana Cardela/Oxfam Brasil
Quando falamos de sustentabilidade nas cadeias produtivas, mais do que eficácia e eficiência econômica, esperamos que consigam garantir também a proteção daqueles e daquelas que estão em estado de vulnerabilidade, seja em termos de direitos humanos ou trabalhistas. No caso de proteção e preservação ambiental, é preciso haver prevenção, mitigação, correção e compensação aos possíveis danos ambientais causados pelo empreendimento.
O debate sobre sustentabilidade empresarial e a responsabilidade pelo que ocorre nas cadeias de fornecimento defende que as empresas não devem buscar apenas relações econômicas eficientes, mas também respeitar os direitos humanos e a preservação ambiental.
Infelizmente, os esforços voluntários e autorregulatórios das empresas não foram suficientes para controlar as violações de direitos e destruição ambiental que ocorrem nas cadeias de fornecimento. Hoje, a sociedade constatou que os Estados devem criar mecanismos, instrumentos e legislações que sejam capazes de responsabilizar as empresas pelo que ocorre em suas cadeias de fornecimento.
Avanço das leis de devida diligência
Uma evidência dessa mudança é o avanço das chamadas leis de devida diligência nas cadeias produtivas. Podemos destacar o exemplo da França, que apresentou casos contra grandes empresas como a Total, o Casino (proprietária do supermercado Pão de Açúcar) e o McDonald’s. Os casos contra o Casino e o McDonald’s envolvem cadeias de fornecimento que saem do Brasil. Em 2023, entrará em vigor na Alemanha uma legislação similar que atingirá muitas empresas, inclusive que operam e compram do Brasil. Outros países, como Noruega e Holanda, têm legislações também, mas a francesa e a alemã são as mais robustas.
Recentemente, na União Europeia, uma nova proposta de lei sobre devida diligência para sustentabilidade corporativa foi apresentada. Em 2020, o Comissário Europeu de Justiça, Didier Reynders, havia se comprometido em encaminhar uma proposta sobre o tema. Com um amplo consenso sobre a limitação das iniciativas voluntárias, chegava o momento para a criação de legislação no tema. Em 2022, a Comissão Europeia apresentou ao público a proposta de lei (diretiva) que busca regular o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente por parte das empresas, em suas próprias operações e em todas as suas cadeias de valor.
A proposta de legislação coloca a obrigação de devida diligência corporativa como: identificar, eliminar, prevenir, mitigar e registrar e reportar os impactos negativos em direitos humanos e ao meio ambiente nas próprias operações da empresa, de suas subsidiárias e em suas cadeias de valor. Também exige que as empresas tenha plano de transição climática, pelo qual devem estabelecer a compatibilidade de sua estratégia com um cenário de aumento de 1,5 grau Celsius na temperatura global, conforme indicado no acordo de Paris para o clima.
Nova legislação não se restringe à União Europeia
A legislação proposta se aplicará às maiores empresas ativas no mercado da União Europeia – empresas com um faturamento anual superior a 150 milhões de euros e mais de 500 funcionários. Também estão sujeitas empresas com faturamento anual de 40 milhões de euros e pelo menos 250 funcionários de três setores de “alto risco”: têxteis e couro, agricultura e alimentos e indústrias extrativas (mineração, petróleo e gás).
A Comissão Europeia estima que cerca de 13 mil empresas da União Europeia e 4 mil empresas de fora do bloco terão que cumprir a legislação. Com relação à cadeia de valor, a legislação abriga toda a cadeia, da origem dos produtos ao mercado final.
A proposta requer que os países da União Europeia criem ou designem autoridades com poder de realizar investigações e de aplicar sanções nas empresas por descumprimento da lei. Os países do bloco deverão garantir que as empresas sejam passíveis de serem responsabilizadas civilmente e possam ter que pagar danos se não cumprirem com suas obrigações de devida diligência.
Proposta ainda é limitada
Entretanto, apesar dos aspectos positivos, a atual proposta ainda é limitada. A nova lei não se aplicará a quase 99% das empresas da União Europeia ou têm relações com o bloco.
A ausência de uma cobertura maior enfraquece o trabalho conjunto entre empresas de uma mesma cadeia produtiva para cumprir a lei, afetando assim a consistência na abordagem e o objetivo de dar escala para a sustentabilidade.
Outra limitação é que a nova lei exige apenas cláusulas em contrato, uma abordagem que não é proativa e vai na direção contrária do que os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e a OCDE afirmam ser a devida diligência.
Outra lacuna está na não exigência do atrelamento da devida diligência em sustentabilidade à remuneração e ao bônus dos diretores e presidentes das empresas.
Uma proposta de lei que poderia ter a força de atingir diversas empresas, de múltiplas cadeias produtivas, e assim propiciar um cenário no qual aumentariam os níveis de responsabilidade com os direitos humanos se mostrou ainda limitada, mas existe espaço para melhorar.
Lei europeia pode atingir empresas que atuam no Brasil
A proposta em discussão na União Europeia ainda pode sofrer alterações. Ela passará pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, um processo que deve demorar cerca de um ano. Uma vez adotada, cada país do bloco deverá transpor a lei para seu sistema nacional, por meio de seus parlamentos.
Muitas empresas brasileiras e que operam no Brasil serão atingidas por essa lei, assim como seus respectivos fornecedores. Um exemplo é a Coca-Cola, que é americana mas opera e tem unidades na União Europeia. Outro exemplo são os supermercados Carrefour e Pão de Açúcar, que têm suas matrizes na Europa mas operam no Brasil.
A Oxfam Brasil, por meio da campanha Por Trás do Preço, vem cobrando que esses supermercados melhorem o respeito aos direitos humanos em suas cadeias de fornecimento. Mais de 100 mil pessoas já assinaram uma petição demandando mais responsabilidade. Algumas melhorias foram feitas: o Carrefour se comprometeu em divulgar seus fornecedores de frutas no Brasil e o Pão de Açúcar publicou uma política de Direitos Humanos e Cadeia de Valor. Mas ainda não é suficiente.