Artigo de Oded Grajew publicado nesta quarta-feira (19/4) no jornal Folha de S. Paulo.
O jornalista Clóvis Rossi, a quem admiro por sua competência e integridade jornalística, publicou na sua coluna nesta Folha (26/3) um artigo no qual lamenta não termos até hoje uma proposta de modelo econômico que “ofereça esperança às pessoas”.
Cita-me como idealizador do Fórum Social Mundial (FSM), cujo lema é “Um Outro Mundo É Possível” e que, segundo ele, tampouco conseguiu apresentar uma proposta de outro modelo econômico.
Não é por acaso que o Fórum Social Mundial nasceu em oposição ao Fórum Econômico Mundial (FEM). O modelo econômico defendido e propagado pelo FEM produziu uma sociedade em que, segundo relatório da Oxfam, 82% de todo o crescimento de riqueza gerada no último ano foram para o 1% mais ricos; 42 pessoas detêm a mesma riqueza que os 3,7 bilhões mais pobres; e o 1% mais rico detém mais riqueza que todo o resto da humanidade. No período compreendido entre 2006 e 2015, os trabalhadores viram sua renda aumentar em média 2% ao ano, enquanto a riqueza dos bilionários aumentou em média 13% ao ano.
Nossa biodiversidade e nossas florestas estão sendo dizimadas, e o aquecimento global produz alterações climáticas extremas, transformando terras férteis em desertos, elevando o nível dos mares e ameaçando a própria existência da espécie humana.
Um novo modelo econômico deveria ter como eixo central a redução das desigualdades e a preservação dos nossos recursos naturais e a vida no planeta. Para isso não faltam propostas. Alguns exemplos: um sistema fiscal e tributário que seja progressivo, que obrigue os ricos a pagarem proporcionalmente mais do que os pobres.
Um imposto internacional sobre todas as transações financeiras mundiais (mesmo com uma alíquota baixíssima) e o fim dos paraísos fiscais (que subtraem enormes recursos dos cofres públicos) permitiriam assegurar uma renda mínima universal a todos os habitantes do planeta. Seria o fim da miséria e da pobreza. Os enormes investimentos militares deveriam ser alocados em boa parte para investimentos sociais nos países mais pobres.
As tecnologias hoje disponíveis permitiriam mudar completamente o modelo energético baseado no petróleo e nos combustíveis fósseis.
Os recursos públicos deveriam incentivar os trabalhos não poluentes, aqueles que não agridem o meio ambiente: trabalhos nas áreas artística, cultural, esportiva, educacional, científica, médica e de preservação ambiental; atividades de apoio aos grupos sociais mais vulneráveis como crianças, pessoas com deficiência e idosos. Seria estabelecido um ciclo econômico virtuoso no qual as pessoas seriam remuneradas para melhorar a qualidade de vida da população.
Acontece que nosso problema, caro Clóvis, não está na falta de ideias, propostas, recursos e conhecimentos para um novo modelo econômico. Está na falta de vontade política e de consciência de grupos poderosos econômica e politicamente que dominam nossa sociedade e os sistemas políticos, e que resistem ferozmente a toda e qualquer medida que mude o atual modelo.
O próprio Clóvis Rossi relata no seu artigo que cobrou do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a mudança prometida no sistema tributário brasileiro e teve como resposta: “É muito difícil”.
Governos, organizações públicas e privadas, lideranças e cidadãos precisam se articular em nível local, nacional e mundial para que possam ser implementadas as propostas, já existentes, de um modelo econômico que priorize a redução das desigualdades e a preservação da vida no planeta. Precisam ganhar força política para mudar as prioridades e evitar o desastre ao qual o atual modelo econômico está nos levando, no Brasil e no mundo.
Leia aqui nosso relatório Recompensem o Trabalho, Não a Riqueza, lançado em janeiro de 2018 às vésperas do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça.