Criado há quase quatro anos, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) liderado pelos países BRICS – grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – iniciou suas operações em 2016 cercado de muita expectativa por parte da sociedade civil. A estrutura leve e proposta de governança igualitária, bem como uma esperada abertura para o diálogo com a sociedade, eram pontos positivos que o diferenciavam no setor em que atua, de instituições financeiras multilaterais. No entanto, apesar de ter avançado em alguns temas importantes, há ainda um longo caminho a percorrer em áreas como política de gênero, critérios ambientais para aprovação de projetos e acesso à informação para a sociedade civil.
Com esse objetivo de ampliar o monitoramento sobre o banco, representantes de organizações da sociedade civil e movimentos se reuniram na terça-feira (17/4) em São Paulo para compartilhar e atualizar informações sobre o NBD e discutir ações de incidência que podem ser feitas para melhorar as políticas do banco. Elas devem ser avaliadas em seu 3º encontro anual, previsto para o final de maio, na sede do banco em Xangai, China.
“Ainda acho que vale à pena apostar que o banco ficará mais participativo, inclusivo e democrático. Ele ainda é um ‘bebezinho’, não tem três anos ainda. Podemos disputar sua educação”, afirmou Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrante do GT de Finanças da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip), durante a reunião. “Vamos disputar conceito de inovação. Não é só tecnologia, mas também a forma de pensar, de fazer. O que é o conceito de ser um banco inovador do século 21?”
O grande desafio, segundo os participantes do encontro, é comparar o que o NBD se propôs a ser e o que ele está sendo efetivamente. Alguns conceitos que o banco apresentou, e que foram elogiados inicialmente, ainda precisam avançar e serem aperfeiçoados, como no caso do conceito de infraestrutura sustentável. “Se o NBD defende um novo desenvolvimento, precisa reconhecer o marco dos direitos humanos na hora que vai financiar grandes projetos de infraestrutura”, disse Brent Millikan, diretor da International Rivers, que tem forte atuação na região amazônica, que atrai muitos projetos grandiosos de geração de energia (hidrelétricas) e mineração.
“É possível haver equilíbrio entre projetos de desenvolvimento e proteção social?”, perguntou Luiz Vicente Facco, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), preocupado com a lógica dos interesses de projetos de governo/grandes empresas/grandes grupos econômicos, sugerindo em seguida que o Brasil poderia ser um país-piloto para a existência de um mecanismo de diálogo com os atores sociais envolvidos diretamente com esses grandes projetos, vários deles ligado atualmente ao investimento em energias renováveis, como a eólica.
“Mas a narrativa sobre as renováveis é muito grande e positiva. Bem construída. Do limpo, do sustentável, do verde. Quase ninguém vai contra este discurso. Há uma sinergia de atores construindo este discurso. Há um certo encantamento pela simbologia e pelas promessas que trazem: gerar renda, melhorar qualidade de vida…”, disse Maria Elena Rodriguez, do BRICS Policy Center, lembrando no entanto que os grandes impactos que sobram para os que moram nos territórios afetados acabam praticamente ignorados ou menosprezados. “Essa matriz energética ignora modos de vida e traz desigualdades e escalada na exploração dos recursos naturais. Trazem grilagem, eliminação de espécies, populações expulsas. Impactos não só econômicos sociais e culturais, mas sobretudo do ponto de vista da existência. Os projetos têm impactos muito chaves na construção, na implementação dos geradores.”
Gilberto Schneider, do Movimento de Pequenos Agricultores, acrescentou que, neste sentido, “desenvolver tem sido ‘des-envolver’. Não envolvem a comunidade para discutir sua visão, nem a sociedade para discutir as temáticas. A gente precisa discutir estas palavras. Discutir o envolvimento da comunidade para construir o bem viver. Nós não queremos este tipo de desenvolvimento.”
Além dos debates sobre as políticas do NBD e sobre a questão da energia eólica no Brasil, a reunião também propiciou o estabelecimento de prioridades e estratégias da sociedade civil brasileira para monitorar os primeiros projetos aprovados para o Brasil, sobre energias renováveis, provavelmente no Nordeste, e rodovias, no Pará e Maranhão. As estratégias se voltam também para que a sociedade civil possa cobrar avanços em áreas-chave como o respeito ao marco dos direitos humanos, transparência e acesso à informação e a criação de uma política de gênero para dentro do banco e para suas operações e projetos aprovados.