Para muito além do título de “esposa do Mano Brown”, Eliane Dias é uma das maiores defensoras dos direitos das mulheres negras no Brasil. A advogada, que nasceu na periferia e chegou a morar na rua, tem uma vida de luta contra o preconceito e pelo respeito à identidade negra.
Além de estar à frente da produtora Boggie Naipe, que cuida da carreira dos Racionais e dá voz à periferia, ela coordena o programa antirracismo da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o S.O.S. Racismo. É lá que ela amplifica a luta pelo feminismo negro, onde acolhe denúncias e trabalha por projetos que tentam resgatar a autoestima de meninas das periferias.
“Mãe de dois jovens negros”, como ela faz questão de se apresentar, Eliane participou do Festival do Capão, no dia 11 de maio, onde falou sobre identidade, preconceito e orgulho das origens. Confira, a seguir, entrevista concedida à Oxfam Brasil.
Você é conhecida e reconhecida pela luta dos direitos das pessoas negras, em especial as mulheres. Como você vê esse movimento de fortalecimento da identidade negra?
O movimento é maravilhoso, é fundamental e ele não vai parar nem com o retrocesso atual no Brasil. Mesmo que a gente tenha que mudar muita coisa, a gente sabe o porquê de estar mudando, não é mais alienação. O movimento é maravilhoso e tende a aumentar e a continuar. Nós vamos continuar por aí falando, conversando. As meninas vão continuar nos blogs, no Twitter, no Facebook, em todos os meios de comunicação. A pessoa que tentar parar isso, vai perder tempo. Se apertar de um lado, a gente vai para outro. Não tem mais jeito, agora não tem mais volta.
Como o momento atual do Brasil tem afetado a luta por direitos?
A diferença hoje entre pessoas negras e brancas está cada vez mais acirrada. O Brasil passa por um retrocesso voraz e rápido, e isso tem causado muitas coisas ruins. Eu fico até com medo que o empoderamento da mulher negra seja freado, porque a gente não pode ficar desempregada, a gente tem que trabalhar, e a gente tem que se adequar, mesmo que forçadamente, a esse processo. Esse retrocesso está muito pesado e está atingindo em cheio os jovens negros, em especial as mulheres jovens negras. Isso me deixa muito preocupada e triste. Porque ou a gente se adequa, ou passa fome. Por isso a minha fala de que o meu cabelo não prende o meu pensamento, porque eu sei que a mulher negra precisa comer. E quando uma mulher me pergunta “eu mudo o meu cabelo ou mudo de emprego?” eu respondo “eu sei que as duas coisas doem, então faça o que te dói menos – mudar o seu cabelo temporariamente ou ficar desempregada”.
Você é uma pessoa que se mantém na comunidade e está à frente de uma grande produtora, que amplifica a voz da periferia. No seu ponto de vista, qual é a principal demanda da periferia de São Paulo hoje?
Eu particularmente acho que a periferia precisa ser mais decidida no que quer. A periferia está volátil, não sabe em quem acreditar. Parece mesmo que precisa de alguém para seguir. Já se descobriu que a igreja não é a solução aqui, porque ela proíbe, ela impede, ela não dá fala. Setenta por cento das mulheres que sofrem violência doméstica na periferia são evangélicas. Então a periferia já descobriu que a igreja não é a solução. A periferia está pedindo alguém que mostre um caminho, mas ela pode ser dona dela mesma, pode ser autossuficiente em escolher o que é certo. Se houver eleições agora, em 2018, ela tem que começar a pensar. Se o discurso que se fala por aí é o de que todo mundo é ladrão, tem que ter um representante, mesmo que não seja o ideal, que pense na periferia. Mas agora a gente tem um representante que quer que a gente trabalhe até os 75 anos, que quer que a gente contribua 25 anos para se aposentar por idade. A gente tem um representante que quer que a mulher se aposente no mesmo tempo que o homem, sendo que a mulher tem jornada dupla, tripla. A periferia tem que começar a bater forte, a pensar direito. Se ninguém presta, que escolha um que ao menos pense nela.
E como a juventude pode estar à frente dessa luta?
A juventude já está à frente. Eu vejo que muito jovem quer assumir essa responsabilidade, quer chamar para si. Estão na rua, estão falando o que querem. A juventude, para mim, já está à frente. E isso dá muito orgulho.