À frente da ONG Criola, no Rio de Janeiro, Jurema Werneck é hoje uma das grandes referências nacionais e internacionais em temas de combate ao racismo, de equidade de gênero e raça e de empoderamento de mulheres negras. Também é integrante do comitê internacional de planejamento do fórum AWID (Associação para os Direitos da Mulher e o Desenvolvimento, da sigla em inglês) e do comitê de planejamento do Fórum de Feministas Negras, ambos realizados na última semana, na Bahia. Em conversa com a Oxfam Brasil, ela fala sobre as prioridades e desafios para o feminismo atual, sobre a influência das mulheres negras no contexto político, e sobre a importância da renovação promovida pelo ativismo de jovens mulheres negras.
Oxfam Brasil: Você percebe que há um crescimento importante da participação e da influência das mulheres negras na articulação internacional pelo direito das mulheres?
Jurema Werneck: Com certeza. A realização do fórum AWID no Brasil implica esse reconhecimento. A gente recebeu todo o apoio de AWID para a realização desse fórum, e isso é um pouco do reconhecimento dessa luta, do crescimento da articulação entre mulheres negras, internacional e também nacionalmente. AWID acontece no Brasil pouco depois da Marcha das Mulheres Negras, que foi um evento que teve uma repercussão global. Muito do que está acontecendo aqui é um pouco do reconhecimento dessa luta e dessa história.
OBR: A declaração final do fórum aponta para quais prioridades?
Jurema: A carta é um chamamento ao fórum e ao movimento global de mulheres como um todo. O primeiro ponto é o enfrentamento ao racismo e à violência contra a mulher negra, importante em qualquer país onde as mulheres negras estejam. Isso está relacionado ao reconhecimento desse protagonismo, das soluções “nada de nós sem nós”, dessa articulação, dessa ampliação da interlocução. O Fórum Feminismos Negros também fez um chamamento de um recado específico sobre a situação do Brasil. O retrocesso democrático da situação do Brasil implica em perdas para toda a sociedade, mas, muito enfaticamente, afirmamos que as mulheres negras vão pagar um preço mais alto. Então também reivindicava o engajamento do movimento internacional nas lutas pela democracia no Brasil e na região latino-americana, em que as mulheres negras e indígenas vão pagar muito caro pelo retrocesso democrático.
OBR: Como o contexto político em que estamos no Brasil foi visto por mulheres de outros países? Há preocupações ou identificações?
Jurema: O fórum acontecer aqui, nesse momento, foi uma grande janela para todo mundo saber o que está se passando no Brasil. As mulheres comentam que as informações que chegam nos outros países são parciais, então elas não entendiam direito o que estava acontecendo aqui. Aqui elas receberam informação da gente, ficaram mais informadas, e também passaram a pensar formas de engajamento. Isso é muito importante. Por outro lado, pra nós brasileiras também foi uma oportunidade de sair do casulo. Porque o que está acontecendo aqui no Brasil foi ensaiado antes, foi realizado antes na região, e a gente não se envolveu com a ênfase que deveria. Honduras e Paraguai passaram por isso e nós não nos movemos o quanto deveríamos. Agora, a gente compreende que é importante continuar movendo com a articulação regional e internacional, porque nenhum país está livre, nenhuma mulher está livre do que vamos passar. A situação ajudou a nos aproximar do Egito, dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido. São diferentes articulações e possibilidades que surgiram e estão surgindo aqui, porque a gente viu que o mundo nunca foi exatamente um lugar seguro para as mulheres. E que o mundo é pequeno o suficiente para a experiência ser comum – a experiência ruim, mas também a experiência de novas articulações que a gente deve fazer pra seguir lutando e enfrentando o que está chegando contra nós.
OBR: E qual o papel das jovens no fórum? Quais as inquietações e as novas questões levantadas? Você aprendeu algo com elas neste espaço?
Jurema: Aprendi com elas, mas não o suficiente. Para além de aprender um jeito de fazer política, que é muito diferente da minha geração, com velocidade e profundidade, eu aprendo e todo mundo aprende com elas essa possibilidade de transcender. Quando eu era jovem ativista, a gente era muito dependente das mais velhas. Agora, o grau de autonomia que essas jovens ativistas têm não é comparável. Eu falo desde elas manejarem ferramentas muito melhores e muito mais efetivas, não só na internet, mas também seus canais, sua transmissão, a capacidade de ser operativa na luta. Os conteúdos, os seus princípios, são muito próximos dos nossos. O que a juventude, com uma identidade e singularidade, reivindica é mais ou menos o que as mulheres negras de todas as idades reivindicamos, que é ser reconhecidas e empoderadas na nossa singularidade. Mas elas trazem uma efetividade na afirmação dessa identidade e na operacionalização da agenda dessa identidade que fortalece todo mundo. Elas estão aqui e são parte de nós. Quando eu era jovem, os jovens falavam depois. Aqui, cada painel tem jovens. Elas falam, elas manejam as ferramentas, elas falam por elas e falam para o mundo sem precisar de mediação dos mais velhos ou de outras organizações. Isso é bom pra todo mundo.