Uma série de propostas de enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil foi entregue na última sexta-feira (2/12) ao GT de Trabalho do governo de transição pelo presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariadas Rurais (Contar), Gabriel Bezerra Santos.
As propostas foram apresentadas pela Contar, Contag, Oxfam Brasil, Conectas Direitos Humanos, Business and Human Rights Resource Center, Articulação dos Trabalhadores Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG) e Aliança pelos Direitos Humanos em Cadeias Produtivas.
Entre as propostas consideradas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo Lula estão:
● Declarar a erradicação do trabalho escravo como prioridade do Estado Brasileiro;
● Fortalecimento do Ministério do Trabalho – Assegurar a existência de um Ministério do Trabalho independente e comprometido com uma política de emprego eficaz e de proteção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, que seja, inclusiva e compatível com os direitos humanos;
● Abertura imediata de concursos públicos para auditores fiscais do trabalho: cerca de 50% dos cargos vagos, estando na ativa aproximadamente 2 mil auditores, para fiscalizar milhões de empresas, estabelecimentos urbanos e rurais, do setor público e privado, e vínculos trabalhistas no País;
● Execução orçamentária: execução da Emenda 20YU (Fiscalização de Obrigações Trabalhistas e Inspeção em Segurança e Saúde no Trabalho), contingenciada durante o governo Bolsonaro, para as destinações ali previstas;
● Mais transparência: melhoria no controle e no fornecimento de dados sobre a execução do orçamento das políticas de combate ao trabalho escravo, bem como dos resultado das fiscalizações trabalhistas no RADAR SIT, com acesso, pela população em geral, dos autos de infração lavrados;
● Fortalecimento da CONATRAE: garantia da participação efetiva, inclusive por meio da propositura de pautas e do voto, da sociedade civil nas reuniões da Conatrae, e melhor interlocução com comissões estaduais e municipais de erradicação do trabalho escravo; garantir equipe e suporte adequados,
● Fortalecimento e transparência da Lista Suja: reconhecimento da importância e garantia da continuidade da ferramenta da Lista Suja, inclusive por meio da maior transparência e publicidade das informações ali disponibilizadas e da manutenção permanente – independentemente dos pagamentos das multas – dos nomes de empregadores que utilizaram mão de obra análoga a de escravo;
● Fortalecimento do Grupo Especial de Fiscalização Móvel: fortalecer, interiorizar e reconhecer publicamente a importância do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e garantir um orçamento que permita a realização de todas as fiscalizações necessárias para o combate ao trabalho análogo ao de escravo, com equipamentos adequados e com segurança para todos agentes envolvidos;
● Interrupção da Revisão das Normas Regulamentadoras: interromper imediatamente toda e qualquer revisão das NRs sobre saúde e segurança ocupacional até que haja garantia de que o processo de revisão ocorrerá mediante amplo debate público, com a participação de especialistas, órgãos públicos, representação de trabalhadores e membros da sociedade civil;
● Multas e indenizações decorrentes de trabalho escravo: garantir – revogando qualquer impedimento neste sentido – que multas e indenizações resultantes de ações (administrativas e judiciais) por infrações trabalhistas possam ser aplicadas em projetos de prevenção ao trabalho escravo e de assistência às vítimas e suas famílias, nos moldes do previsto no II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo;
● Combate à impunidade: garantir a investigação e aplicação de sanções, sempre que necessário, em caso de resgate e a casos relatados de situação análogo à de trabalho escravo, e proibir a concessão de subsídios, incentivos fiscais e financiamentos públicos a infratores trabalhistas.
● Revogação: revogar todo e qualquer mudança promovida pela reforma trabalhista que impede, de forma proposital e classista, a assistência sindicais aos trabalhadores nos momentos dos acertos rescisórios, inibindo e desestimulando fraudes trabalhistas praticadas pelos empregadores contra seus empregados.
Há, no documento entregue, também propostas importantes para os próximos anos do governo que entra em janeiro, a saber:
● Regulamentação do artigo 243 da Constituição Federal: a previsão de expropriação de terras utilizadas para prática do trabalho escravo segue sem ser aplicada sob a justificativa de falta regulamentação;
● Ratificação do Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado de 2014 e da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias da ONU;
● Agência Nacional de Inspeção do Trabalho: criação de uma Agência Nacional de Inspeção do Trabalho, com dotação orçamentária própria, atuação autônoma e estrutura que compreenda pessoal de apoio ao exercício de suas funções legais;
● Imprescritibilidade do crime de trabalho escravo: reconhecer e garantir que a imprescritibilidade dos crimes de trabalho escravo;
● Transparência na cadeia produtiva: Iniciar um debate público para a criação de uma normativa legal de devida diligência, que exija das empresas a divulgação pública de dados e informações de toda a sua cadeia produtiva;
● Lei Direitos Humanos e Empresas: Apoio para a aprovação do Projeto de Lei 572/22 que cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema.
● Ameaças legislativas: abandonar propostas legislativas desregulamentadoras e revogar decretos, resoluções, medidas provisórias e/ ou portarias executivas que desmantelem ou prejudiquem as proteções trabalhistas existentes, bem como os demais direitos sociais fundamentais
● Conceito de trabalho escravo: garantir a proteção do atual conceito de trabalho escravo previsto na legislação brasileira;
● Denúncias: Estabelecer sistemática para recebimento e encaminhamento de denúncias de trabalho análogo ao de escravo em articulação com os serviços existentes;
● Ações de assistência: Articular a efetivação da assistência integral e prioritária às crianças e adolescentes, trabalhadoras e trabalhadores vítimas de trabalho análogo à de escravo, bem como divulgar canais de assistência;
● Orçamento público: Assegurar um orçamento adequado para todos os ministérios e órgãos envolvidos com as questões discutidas, incluindo o Ministério do Trabalho, o Judiciário e Ministério Público, assim como para todas as agências estaduais envolvidas na implementação e execução de programas trabalhistas e sociais relevantes;
● Promoção da igualdade no emprego: criar incentivos à contratação de trabalhadores vulnerabilizados (mulheres, migrantes e não brancos) para promover uma maior igualdade profissional, incentivando uma mudança radical na cultura corporativa e, consequentemente, na sociedade como um todo;
● Reconstrução e garantia de direitos: Iniciar um amplo debate com participação tripartite – governo, trabalhadores (incluindo seus representantes nos sindicatos e sociedade civil) e empregadores – para reconstruir os direitos sociais e promover modalidades de trabalho que permitam o pleno respeito a todos os direitos trabalhistas;
● Combate à informalidade e precarização: conscientizar a sociedade brasileira para compreender os efeitos negativos da informalidade e promover um amplo debate sobre a regulamentação do trabalho em plataformas digitais;
● Responsabilização: aprovar penalidades mais severas para trabalho escravo e outras infrações trabalhistas, que garantam, inclusive, a responsabilização do topo da cadeia produtiva;
● Multas: revisar os valores previstos para o descumprimento de normas trabalhistas, visando punições administrativas exemplares e desestímulo à violação de direitos.
● Hamornização de procedimentos e atribuições: promover maior harmonização de procedimentos e atribuições entre os órgãos responsáveis pela proteção e garantia dos direitos trabalhistas (em especial Justiça do Trabalho, Secretaria de Inspeção do Trabalho e Ministério Público do Trabalho);
● Acesso à justiça: eliminar os obstáculos ao acesso à justiça por parte de trabalhadores/as, garantindo ‘justiça gratuita’ (isenção do pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais), a assistência judiciária gratuita a todos os trabalhadores que não possam suportar as custas do processo e eliminar potenciais litígios de retaliação por parte das empresas, inclusive em relação a supostos impactos causados à marca;
● Terceirização: revogar disposições legais que autorizam a terceirização sem limites nas relações de emprego, inclusive nas atividades fins, visando impedir a mercantilização de trabalhadoras e trabalhadores e a consequente precarização do trabalho.