Por que o tema da desigualdade é prioritário para a Oxfam Brasil?
Considerando a sociedade global e o planeta como um todo, é incontestável que existe atualmente uma concentração de riqueza cada vez maior. As 85 pessoas mais ricas do mundo detêm juntas o equivalente ao que a metade da população mais pobre do planeta tem. Entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas aumentaram sua riqueza em US$ 668 milhões diariamente! Há algo errado. Essa desigualdade é gritante quando se sabe que mais de 700 milhões de pessoas no mundo de hoje, século XXI, ainda passam fome.
Como alguém pode dormir ou viver tranquilamente sabendo que existe uma concentração de riqueza nesse nível?
Enfrentar a desigualdade é algo urgente, tem a ver com os valores éticos de uma sociedade e do que é inaceitável para uma civilização. A desigualdade gera o esgarçamento da sociedade, o que também provoca uma tensão muito grande porque esbarra no limite absurdo das ilhas da fantasia, onde tudo funciona sem questionamento, ao lado de lugares onde as pessoas não têm acesso a absolutamente nada. Então, a desigualdade realmente é um tema prioritário quando se trata de pensar o desenvolvimento de um país.
A desigualdade está presente tanto no meio rural quanto no meio urbano. Por que a Oxfam Brasil está focando agora o urbano?
A Oxfam Brasil é parte da Confederação Oxfam, que começou sua trajetória setenta anos atrás, em 1942, na Inglaterra. Naquela época, a maioria da população se localizava no espaço rural, especialmente a população em situação de pobreza. Nas últimas décadas houve uma mudança, principalmente em regiões como a América Latina, onde hoje a maioria vive em cidades. Por outro lado, num continente com as especificidades da África, por exemplo, o tema rural continua sendo prioritário para a Oxfam.
É desafiador observar as cidades, cidades grandes, cidades inchadas, cidades cheias de pessoas. Elas estão reforçando cada vez mais a desigualdade e a pobreza, o que se agrava em função da situação de violência e quando consideramos recortes de gênero e raça.
Focar o urbano é dar seguimento à luta em prol do combate à pobreza e do enfrentamento da desigualdade. A Oxfam Brasil é solidária aos novos movimentos que estão acontecendo nas últimas décadas em todas essas cidades. Há uma insatisfação das pessoas nos centros urbanos que se expressa em diferentes formas de mobilização e organização social.
Essas mobilizações são impulsionadas, em sua maioria, por jovens. É por isso que vocês decidiram focar a juventude?
Há uma diversidade nas mobilizações, mas há uma realidade incontestável: a situação de exclusão social da juventude. Isso significa excluir toda uma geração e um setor importante da população brasileira.
O foco na juventude tem a ver com a situação que esse segmento de 15 a 29 anos vive hoje e também com o fato de que a juventude está apresentando para a sociedade novas formas de discutir os problemas gerados pela desigualdade e modos alternativos de pensar. As juventudes são mais livres e têm uma perspectiva diferente de mundo muito importante para todas as outras gerações.
Os jovens nos provocam a pensar em soluções diferenciadas, com base naquilo que estão experimentando em sua realidade cotidiana. Observar e aprender com os jovens também pode contribuir para pensar em soluções maiores para o conjunto da sociedade brasileira.
Você está falando de jovens em geral ou de jovens da periferia?
Quando se considera a situação territorial dos jovens em determinados espaços urbanos e as questões de gênero e raça, especialmente as diferenças de situação socioeconômica, aí a desigualdade se apresenta de forma mais explícita. Então existe um lado da abordagem relacionada com o contexto, mas também há questões relativas à juventude que transcendem a territorialidade. Há um diálogo geracional que não é 100% determinado somente pela situação econômica. Há espaços onde ocorre solidariedade e articulação entre jovens de diferentes condições econômicas, como é o caso do Ocupe Estelita, em Recife, que reuniu jovens de diferentes grupos sociais. Pensar nas problemáticas da juventude é levantar um debate para todas as juventudes, inclusive a juventude que está aí no bairro de Pinheiros ou na Vila Madalena, em São Paulo, onde está localizado o escritório da Oxfam Brasil, por exemplo.
Na primeira Conferência Nacional de Juventude, a juventude negra conseguiu influir na decisão de priorizar o tema do genocídio da juventude negra, pobre e de periferia. Há uma expectativa de criar outras políticas públicas nesse sentido?
Esse exemplo emblemático e importantíssimo do genocídio da juventude negra mostra que existem situações em que é necessário construir e colocar em prática políticas específicas que integrem diferentes ações do Estado. Certamente existe essa expectativa de que outras políticas públicas de juventude possam ser criadas.
Por que a Oxfam Brasil está querendo distribuir esta publicação na Conferência Nacional de Juventude?
A ideia é fazer uma contribuição e se somar ao debate. A gente considera a Conferência Nacional de Juventude um espaço muito importante de reflexão e encontro das juventudes e de pessoas que pensam e discutem juventude no Brasil. Não é o único, mas é um espaço institucionalizado que merece ser valorizado.
A Oxfam Brasil é parte de um movimento global por mudanças e transformação social que atua conforme um enfoque baseado em direitos. Um dos valores da Oxfam é trabalhar em parceria com outras organizações. As organizações que participam desta publicação – Ação Educativa, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Instituto Pólis, além da professora Regina Novaes – são parceiras históricas com experiências concretas nas temáticas de direitos, desigualdade, cidades, juventude, gênero e raça. A Oxfam Brasil, em conjunto com essas organizações, está se propondo a colaborar com coletivos e nos processos de articulação juvenil, visando fortalecer suas lutas e resistências contra as desigualdades e discriminações de gênero, raça e território nas cidades.
As juventudes se mobilizam para criticar o modelo de desenvolvimento econômico e pensar num projeto de nação. Essas juventudes estão fazendo história.
Falar em juventudes no plural é reconhecer os diferentes grupos, institucionalizados e não institucionalizados, que possuem diferentes olhares, mas têm em comum o projeto de um país mais justo, sustentável e igualitário, onde seja possível usufruir os direitos de fato e construir uma sociedade diferente.
*Entrevista publicada em novembro de 2015 por Le Monde Diplomatique Brasil no encarte especial Juventudes e a Desigualdade no Urbano.