O governo Lula completou um mês esta semana e por conta disso fizemos nossa primeira atualização sobre o andamento das 10 ações que indicamos como prioritárias no combate às desigualdades nos 100 primeiros dias da nova gestão federal. Nosso objetivo é acompanhar a evolução das medidas ao longo dos 100 dias e analisar periodicamente o que foi feito e o que deixou de ser feito.
Estabelecemos três fases de andamento para cada uma das 10 medidas – ‘não iniciada’, ‘em andamento’ e ‘finalizada’. Das 10 medidas listadas, até o momento sete estão na fase ‘em andamento’ e três ainda não foram iniciadas.
Esperamos que ao final dos 100 primeiros dias, o governo Lula atenda cada um dos pontos listados, por serem fundamentais para termos um país mais justo e menos desigual.
Abaixo, nossa primeira análise do andamento de cada uma das 10 ações:
1 – Garantia da diversidade de gênero, raça e região na composição do primeiro e segundo escalões do governo federal.
Situação: em andamento
Apesar de ter criado o inédito Ministério dos Povos Indígenas, e indicado uma ministra indígena para coordenar a pasta, o governo Lula não garantiu uma composição suficientemente diversa em seu ministério, considerando o perfil da população brasileira. Dos 37 ministros indicados, 26 são homens e 11 mulheres. Em termos de raça, são 25 brancos, 10 negros (autodeclarados pretos ou pardos) e dois indígenas. Em relação às regiões do país, a distribuição atual é de quatro ministros da região Norte, 12 da região Nordeste, um da região Centro Oeste, 17 da região Sudeste e 3 da região Sul. Em resumo, ainda prevalece a presença de homens brancos da região Sudeste. É preciso avançar mais em diversidade para que os tomadores de decisão no governo federal sejam de fato representativos do perfil da sociedade que tem maioria de mulheres (51%), pessoas negras (54%), além de cerca de 900 mil indígenas de 305 diferentes etnias.
2 – Restabelecimento de uma política nacional de participação social
Situação: em andamento
O decreto n.º 9.759 assinado pelo governo Bolsonaro em 2019 que desmantelou cerca de 700 colegiados participativos no país foi revogado no primeiro dia do governo Lula, por meio de outro decreto, o de número 11.371. Nesse mesmo dia, foi editada a Medida Provisória 1.154, que recriou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) – este um dos principais espaços de interlocução entre governo e sociedade civil entre 2003 e 2016, e agora renomeado Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável. Além disso, em 31 de janeiro de 2023 foram assinadas normas instituindo o Conselho de Participação Social da Presidência da República (decreto 11.406/23) e criando o Sistema de Participação Social (decreto 11.407/23).
3 – Aprimoramento do Bolsa Família
Situação: em andamento
Em dezembro de 2022, ainda durante o período de transição, foi aprovada e promulgada a PEC da Transição (PEC 32/2022), ampliando em R$ 145 bilhões do Teto de Gastos no Orçamento 2023 para pagar despesas com o Bolsa Família, Auxílio Gás e Farmácia Popular, entre outros. Do montante previsto pela PEC, R$ 70 bilhões são destinados ao programa Bolsa Família, prevendo a manutenção do pagamento de R$ 600 para cada beneficiário, e mais uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos. Esse reforço orçamentário fica, excepcionalmente, fora da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2023, de modo que o debate sobre a manutenção do valor do Bolsa Família e eventual ampliação de sua cobertura certamente farão parte do debate da Lei Orçamentária Anual 2024.
No plano institucional, destaca-se a nomeação de Letícia Bartholo, especialista em políticas públicas e gestão governamental e ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania (2012-16, governo Dilma), para a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Essa nomeação indica a retomada de um olhar integrado para as políticas de transferência de renda no Brasil, incluindo aprimoramento das condicionalidades e estratégias utilizadas anteriormente.
4 – Plano de Enfrentamento da Fome
Situação: em andamento
No dia da posse do presidente Lula, em 1º de janeiro de 2023, foi editada a Medida Provisória 1.154, reestabelecendo o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um espaço importante de formulação e execução de políticas públicas de combate à fome no país, que havia sido desmantelado pelo governo anterior.
Ainda no período de transição, a aprovação da PEC da Transição (PEC 32/2022) garantiria a manutenção do pagamento de R$ 600 aos beneficiários do programa de transferência de renda (Auxílio Brasil/Programa Bolsa Família), além de uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança até seis anos. A recriação dos Ministérios do Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar apontam para uma retomada das políticas integradas responsáveis pela saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU em 2014.
5 – Valorização Real do Salário-Mínimo
Situação: em andamento
O aumento real do salário-mínimo no Brasil entre 2002 e 2016 foi de quase 80% e, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), teve um efeito duas vezes maior na redução das desigualdades que os programas de transferência de renda. O trabalho é a principal fonte de renda da maioria das famílias e, por isso, garantir o aumento real do salário-mínimo é fundamental para combater a pobreza e a desigualdade. A pressão inflacionária vivida no Brasil nos últimos anos se mostrou pior nos alimentos, exatamente o item que consome a maior parte da renda das famílias brasileiras mais pobres.
O ideal é que a valorização real do salário-mínimo seja retomada por meio de uma política nacional, sem data para acabar e com uma fórmula de cálculo que garanta a valorização real ano a ano. Enquanto isso não ocorre, o governo federal anunciou o novo valor para 2023 que já garante a reposição da inflação do ano anterior – e há indicações de que há a possibilidade de um aumento real ainda este ano.
6 – Demarcação de terras indígenas e titulação de quilombos e territórios agroextrativistas
Situação: não iniciada
No primeiro mês de governo Lula ainda não foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) nenhum decreto de homologação de terras indígenas, apesar de haver 13 delas – nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul – com processos de demarcação avançados, faltando apenas a etapa de homologação pelo presidente da República.
A primeira ação do governo Lula para a população indígena em seu primeiro mês de atuação foi a criação, pela primeira vez na história, do Ministério dos Povos Indígenas, com uma liderança indígena no comando (Sônia Guajajara). E também pela primeira vez a Funai terá uma presidente indígena, Joênia Wapichana (primeira mulher indígena a assumir o cargo de deputada federal por Roraima).
Em relação aos territórios quilombolas, nenhuma titulação foi feita em janeiro. Mas deve-se registrar recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que tem entre suas competências a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras quilombolas; e a criação do Ministério da Igualdade Racial, responsável pela execução de políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais.
No caso das comunidades tradicionais, destacamos a nomeação de Edel Moraes, liderança do movimento das populações extrativistas, como secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.
7 – Taxação extraordinária de super-ricos
Situação: não iniciada
A agenda da reforma tributária tem sido mencionada com prioridade pelo novo governo, com declarações do presidente Lula sobre a importância de aumentar o imposto pagos pelos mais ricos. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem recorrentemente mencionado a pauta, nomeou um secretário extraordinário para cuidar da matéria – o economista Bernard Appy –, além de criar uma força-tarefa como forma de mitigar resistências à proposta do governo.
No entanto, declarações mais recentes indicam que a prioridade imediata será na simplificação do imposto sobre consumo, com foco na PEC 45/2019, que estabelece um imposto sobre bens e serviços federal, eliminando benefícios fiscais e estabelecendo um período de transição de 50 anos.
Ainda que a agenda da simplificação seja bem-vinda, uma reforma tributária justa e progressiva tem de ir além, com medidas voltadas também ao aumento da tributação sobre renda e patrimônio que, ao que tudo indica, deverá ficar para um segundo momento.
8 – Adoção de medidas de transparência e responsabilidade com o orçamento federal
Situação: em andamento
Ainda durante o período de transição de governo, a aprovação da PEC da Transição (PEC 32/2022) trouxe mudanças sobre a utilização das emendas do relator-geral do Orçamento (RP-9), que estão no cerne do Orçamento Secreto criado durante o governo Bolsonaro.
Segundo a nova regra, o relator-geral poderia apresentar até R$ 9,85 bilhões em emendas para políticas públicas, o que equivale a pouco mais de 50% do montante de emendas de relator consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. A outra metade foi direcionada para emendas individuais, com um regime de transparência e controle já estabelecidos, que passariam de R$ 11,7 bilhões para R$ 21 bilhões em 2023.
Uma das primeiras medidas do novo governo foi determinar a adoção de providências pela Controladoria-Geral da União (CGU) para, no prazo de 30 dias, revisar atos que impuseram sigilo indevido a documentos de acesso público.
Em suas declarações mais recentes, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, demonstrou disposição para debater proposta de novo marco fiscal, alinhado com parâmetros de responsabilidade social, e enviar ao Congresso Nacional até abril de 2023, indicando a intenção de acelerar o prazo estabelecido na PEC da Transição (agosto de 2023).
9 – Enfrentamento do trabalho análogo à escravidão e precário no campo
Situação: não iniciada
Até o momento, os ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário estão formando suas secretarias e não há previsão ainda para a criação de uma secretaria específica para cuidar dos temas dos trabalhadores assalariados rurais. Entidades do campo, sindicais e da sociedade civil vêm discutindo com representantes do governo federal sobre a criação ou retomada de instâncias de participação para debater a situação dos empregados rurais, como a volta da Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados.
10 – Retomada dos compromissos climáticos e das políticas ambientais
Situação: em andamento
Neste mês de janeiro, destacamos as seguintes medidas tomadas na área ambiental pelo novo governo:
• Retomada Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
• Retomada do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente.
• Restabelecimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
• Revogação do decreto 10.966, de 2022, que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala e a Comissão
Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, que facilitava a prática do garimpo ilegal.