Hoje, 11 de março, completam-se três anos desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou, pela primeira vez, a covid-19 como uma pandemia. Nesse tempo, vimos feitos extraordinários de inovação científica e uma enorme mobilização de recursos públicos para desenvolver vacinas, testes e tratamentos eficazes. Mas também vimos uma resposta global contida pela especulação e pelo nacionalismo.
Esperamos que o fim do estágio agudo da pandemia de covid-19 esteja próximo. Agora, o mundo está em um momento crítico. As decisões tomadas agora determinarão como o mundo se prepara e responde a futuras crises globais de saúde. Os líderes mundiais devem refletir sobre os erros cometidos ao responder à pandemia de COVID-19 para que eles nunca mais se repitam.
Há décadas de pesquisa com financiamento público por trás das vacinas, tratamentos e testes para covid-19. Os governos despejaram bilhões de dinheiro dos contribuintes em pesquisa, desenvolvimento e avanços, reduzindo os riscos para as empresas farmacêuticas. As vacinas, os testes e os tratamentos contra a covid-19 são do povo.
No entanto, algumas poucas empresas farmacêuticas dos países mais desenvolvidos obtiveram a autorização para explorar esses bens públicos, obtendo lucros extraordinários, definindo os preços, se recusando a compartilhar a tecnologia e o conhecimento com pesquisadores e produtores competentes no Sul Global.
Em vez de lançar vacinas, testes e tratamentos com base na necessidade, as empresas farmacêuticas maximizaram seus lucros vendendo vacinas primeiro para os países mais ricos, enquanto bilhões de pessoas em países de baixa e média renda, incluindo trabalhadores da linha de frente e os clinicamente vulneráveis, foram empurrados para o final da fila.
Se os governos tivessem ouvido a ciência e compartilhado as vacinas de forma igualitária com o mundo, estima-se que pelo menos 1,3 milhão de vidas poderiam ter sido salvas no primeiro ano do lançamento da vacina – uma morte evitável a cada 24 segundos. Essas vidas desperdiçadas são uma cicatriz na consciência do mundo.
Ainda hoje, entrando no quarto ano da pandemia de covid-19, muitos países em desenvolvimento não têm acesso a tratamentos ou testes contra a doença. E, como tantos outros desastres, mulheres pobres, pessoas negras e habitantes de países de baixa e média renda carregam o fardo principal do impacto da covid-19. Como alertou a ONU, a covid-19 pode atrasar a luta pela igualdade de gênero em quatro décadas!
A tragédia desta pandemia é ainda maior porque essa desigualdade era evitável e a escala dos impactos da covid-19 poderia ter sido reduzida. Já vivemos um cenário parecido antes. No auge da pandemia de HIV/AIDS, por exemplo, milhões morreram porque tratamentos caros e patenteados ficaram inacessíveis para grande parte do mundo.
Enquanto o mundo faz uma pausa para lembrar as vidas e meios de subsistência perdidos em três anos de covid-19, exigimos que os líderes mundiais afirmem: nunca mais!
Nunca mais haverá privilégio para a vida das pessoas dos países ricos sobre a vida das pessoas dos países mais pobres, do Sul Global. Nunca mais a ciência financiada publicamente ficará presa a monopólios privados. Nunca mais o desejo de uma empresa de obter lucros extraordinários virá antes das necessidades da humanidade.
Temos as ferramentas necessárias para planejar uma resposta igualitária para a próxima crise global de saúde, inclusive apoiando países de baixa e média renda para ter e desenvolver centros de pesquisa e fabricação de vacinas, testes e tratamentos. O compromisso dos líderes mundiais agora pode evitar a repetição da dor e do horror de pandemias como a de covid-19.
Apelamos aos líderes mundiais para que tomem quatro medidas urgentes:
1. Apoiar um Acordo Pandêmico na OMS que incorpore equidade e direitos humanos preparação e resposta a pandemias. Para tanto, os governos devem se comprometer a renunciar a regras automáticas de propriedade intelectual e garantir o compartilhamento de tecnologia médica e conhecimento quando uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional é declarada.
2. Investir em inovação científica e capacidade de produção no Sul Global por meio de projetos como o Centro de Transferência de Tecnologia mRNA estabelecido pela OMS e parceiros. Governos, empresas e instituições internacionais devem fornecer apoio político, financeiro e suporte técnico a essas iniciativas para maximizar a produção e o abastecimento para todos.
3. Investir em bens comuns globais. O financiamento público fez milagres na pandemia de covid-19. Mas as inovações médicas financiadas publicamente devem ser usadas para maximizar o benefício público, não lucros privados. Eles não devem ser bloqueados por patentes. Todos os governos devem investir mais em pesquisa e desenvolvimento públicos, e colocar requisitos estritos para que o financiamento público de tecnologias médicas desenvolvidas a partir desse investimento público sejam acessíveis e para todos e todas, em todos os lugares.
4. Remover as barreiras de propriedade intelectual que impedem o compartilhamento de conhecimento e tecnologia. Os governos da Organização Mundial do Comércio (OMC) demoraram muito e fizeram muito pouco para abordar essa barreira para as vacinas contra a covid-19. Os membros da OMC devem se mover para aprovar uma renúncia de propriedade intelectual para vacinas relacionadas à covid-19 e estender essa decisão para cobrir testes e tratamentos para covid-19. Isso melhoraria drasticamente o acesso a todos esses produtos. Os países em desenvolvimento devem exercer seus direitos em flexibilizar o acordo TRIPS para proteger a saúde pública. Essas ações devem ser prioridade do G20 e do G7, principalmente neste momento histórico para o Sul Global, em que a liderança do G20 passará da Indonésia para a Índia este ano e, depois, para o Brasil e África do Sul.
Com essas ações, os líderes mundiais podem começar a corrigir os problemas estruturais da saúde global que reteve a resposta à covid-19, HIV/AIDS, entre outras. É hora de incorporar a justiça, equidade e direitos humanos na preparação e resposta a pandemias. Só então poderemos realmente transformar a história e dizer: “nunca mais”.
Assinam:
Jigmi Y. Thinley, ex-primeiro-ministro do Butão (2008-2013)
Jorge Quiroga, ex´-presidente da Bolíva (2001-2002)
Kim Campbell, ex-primeiro-ministro do Canadá (1993)
Laura Chinchilla, ex-presidente da Costa Rica (2010-2014)
Dalia Grybauskaité, ex-presidente da Lituânia (2009-2019)
Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia (1999-2008)
James Michel, ex-presidente de Seychelles (2004-2016)
Danilo Türk, ex-presidente da Eslovênia (2007-2012) e presidente do Clube de Madri.
María Elena Agüero, secretária-geral do Clube de Madri
José Luis Zapatero, ex-presidente da Espanha (2004-2011)
José Manuel Ramos-Horta, presidente de Timor Leste
Anthony Jones, vice-presidente e diretor-executivo da Fundação Gorbatchev dos Estados Unidos
Ekiert Grzegorz, professor da Universidade de Harvard, diretor do Centro Gunzburg para Estudos Europeus e pesquisador da Academia Harvard para Estudos Internacionais.
Juan Somavia, diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (1999-2012)
Moussa Mara, ex-primeiro-ministro de Mali (2014-2015)
Rexhep Meidani, ex-presidente da Albânia (1997-2002)
Zlatko Lagumdzija, ex-primeiro-ministro da Bósnia e Herzegovina (2001-2002)
Achal Prabhala, coordenador do projeto AccessIBSA (Índia)
Githinji Gitahi, CEO global Amref Health Africa Commissioner na Comissão de covid-19 da África (Quênia)
Rovshan Muradov, secretário-geral do Centro Internacional Nizami Ganjavi (Azerbaijão)
Winnie Byanyima, diretora-executivo da UNAIDS e sub-secretária geral da ONU (Uganda)
Sean Cleary, presidente da Strategic Concepts (Pty) Ltda (África do Sul)