Foto: Jefferson Nascimento (Oxfam Brasil) e Stefanie Lopes (diretora em exercício da Fiocruz Amazônia) dão as boas-vindas aos participantes do seminário em Manaus.
O sistema vacinal brasileiro, a situação do Brasil em relação à produção de vacinas e a preparação do país para novas pandemias foram os temas debatidos nesta quarta-feira (25/10), em Manaus (AM), no seminário Desigualdades, Vacinas e Pandemias, organizado pela Oxfam Brasil e pela Fiocruz Amazônia. Dezenas de representantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais e indígenas, de universidades e do Ministério da Saúde participaram do encontro, que contou com cinco mesas de discussão.
Durante o evento foram lançadas também duas notas técnicas: Capacidade de Produção de Vacinas no Brasil e Horizontes para o Gasto Público em Saúde no Contexto do novo Arcabouço Fiscal.
Stefanie Lopes, diretora em exercício do Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia, e Jefferson Nascimento, coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, deram as boas-vindas as participantes do seminário, lembrando que Manaus e região foram muito impactadas pela pandemia de covid-19.
Stefanie lembrou que a população do Amazonas sofreu muito com a pandemia de covid-19 e, por isso, a discussão promovida pelo seminário foi muito bem-vinda, especialmente sendo ele realizado em Manaus. “Ninguém aqui no Amazonas não sofreu com a pandemia de covid-19 ou não perdeu um ente querido. Por isso, precisamos mais e mais pensar criticamente sobre as questões que estão em debate aqui, as desigualdades, o acesso à saúde, a soberania do país, e a produção e distribuição vacinal.”
“É muito importante a gente pensar nesse contexto de desigualdade vacinal analisando o período que a gente passou no contexto da covid-19”, afirmou Jefferson Nascimento. “O Brasil foi um país extremamente impactado pela pandemia e algumas regiões foram mais impactadas do que outras. Então, ter este evento aqui em Manaus, na Amazônia, uma região que foi muito impactada pela covid-19, ajuda a jogar luz nesse cenário, e discutir o que o Brasil pode fazer para se preparar para uma próxima pandemia.”
História de sucesso, momento preocupante
O primeiro painel do dia, mediado por Ana Maria de Brito, coordenadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), foi dedicado a um retrospecto dos 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde e os desafios do acesso à vacina no Brasil, em que Jadher Percio, do Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde, mostrou as conquistas do programa e sua importância para a segurança de saúde dos brasileiros. No entanto, desde 2016, os então bons índices de imunização foram caindo e estão em níveis preocupantes agora, com a população cada vez mais resistente às vacinas, como mostrou Andrea Brandão Beber, da Fiocruz Amazônia. “Oswaldo Cruz (médico e sanitarista brasileiro) se assustaria muito com as resistências que temos hoje às vacinas.”
Tatyana Ramos, da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, corroborou a preocupação de Andrea, afirmando que há alto risco para diversas doenças hoje, como a poliomielite, devido à baixa imunização verificada nos últimos anos. “A desinformação e as fakes news são fatores negativos que impactam esses resultados e foram decisivos nos últimos anos para os baixos resultados atuais”, disse Tatyana, lembrando entretanto que o Brasil tem toda a capacidade para reverter o cenário.
Confira aqui a íntegra da programação do seminário Desigualdades, Vacinas e Pandemias.
Racismo institucional
Os dois painéis seguintes do seminário foram dedicados à desigualdade do acesso às vacinas em diferentes regiões e setores de maior vulnerabilidade da sociedade brasileira, como as comunidades quilombolas e indígenas, bem como os gargalos existentes na produção e distribuição pelo país e o orçamento público. “Doeu muito ver muitos dos nossos morrerem por falta de vacina”, afirmou Teresa de Jesus da Silva, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lembrando a luta que os quilombolas tiveram no Supremo Tribunal Federal (STF) para que fossem considerados grupos prioritários na vacinação contra a covid-19. “Hoje o povo quilombola voltou a ter voz e vez. Queremos e merecemos dignidade e políticas públicas.”
Marcivana Sateré Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entornos (Copime), mostrou pesquisa realizada com comunidades indígenas do Amazonas revelando os principais motivos pelos quais essas populações não se vacinaram – preferência a prevenção com remédios tradicionais e a falta de acesso à vacina estavam entre as mais votadas. “Este espaço (o seminário) é importante para a gente construir caminhos para que não se repita uma realidade tão dolorida que sofremos durante a pandemia.”
Comunicação periférica
A penúltima mesa do encontro foi dedicada aos coletivos de comunicação que produziram reportagens sobre o impacto da pandemia nas periferias brasileiras. Participaram Elaíze Farias (Amazônia Real, de Manaus), Thiago Borges (Periferia em Movimento, de São Paulo), Letícia Pasuch (Nonada, de Porto Alegre) e Ronaldo Matos (Desenrola e Não Me Enrola, de São Paulo). “É importante descentralizar a cobertura jornalística sobre acesso a serviços de saúde e a cobertura vacinal nas periferias, favelas, quilombos e territórios indígenas, e principalmente construir um futuro em que se promova um letramento midiático dessa população para que ela valorize o consumo da informação confiável como instrumento de combate ao negacionismo e também à desinformação”, afirmou Ronaldo, que coordenou a mesa.
Letícia Pasuch contou em sua apresentação como foi feita a reportagem com o jornal Boca de Rua, “que teve papel importante em conscientizar a população de rua de Porto Alegre e as autoridades locais sobre a importância da vacinação e como enfrentar a pandemia da melhor maneira”.
Para Thiago Borges, o negacionismo e a precariedade da vida das pessoas das periferias de São Paulo foram fatores que impactaram decisivamente na falta de acesso à vacinação. “Discutimos muito a necessidade de readequação das estratégias adotadas nas campanhas de vacinação em São Paulo, não só contra a covid-19 mas também para outras doenças.”
Propriedade Intelectual e regras do jogo
Na última mesa do seminário, o tema central foi como a propriedade intelectual sobre vacinas tem impacto direto na saúde pública das pessoas. Jorge Bermudez (ENSP/Fiocruz), Marina Paullelli (Idec) e Rafael Silva (Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais) defenderam o licenciamento compulsório das patentes para facilitar a produção de vacinas no país, para evitar a repetição dos erros e problemas verificados durante a pandemia de covid-19 no Brasil e no mundo.
O encontro foi encerrado Eloísa Machado, da FGV Direito São Paulo, que defendeu a mudança nas regras do jogo em relação à produção e distribuição de vacinas para impedir novas tragédias. “Temos que fazer um enfrentamento desse modelo de desenvolvimento, que só aprofunda as desigualdades no acesso à saúde pública.” Eloísa defendeu ainda a tese da desobediência civil para quebrar patentes, “para a gente ter alguma chance de mudar essas regras”.