O Brasil tem uma enorme dívida histórica com os trabalhadores empregados rurais. Trata-se da categoria que é uma das principais herdeiras da escravidão, além de ter sido deixada para trás durante o avanço das leis e políticas públicas trabalhistas na primeira metade do século XX. Como resultado, a categoria sofre com a alta informalidade – 60% na média nacional e 80% nos Estados do Piauí, Pará, Maranhão, Ceará e Bahia – baixos salários e condições de trabalho que de tão precárias configuram trabalho análogo ao de escravo.
Ao mesmo tempo, os empregadores rurais do agronegócio, compõem o setor mais rico da economia e vivem um ótimo desempenho econômico. Trata-se também do setor mais beneficiado com isenções fiscais, apoio técnico e financiamento público.
No ato de lançamento do Plano Safra, ocorrido no dia 03 de julho, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou que “o Plano Safra 2024-2025 tratava-se do Plano Safra mais responsável da história”. O presidente Lula, por sua vez, lembrou aos presentes que “as empresas devem se preocupar os seus empregados”.
Apesar da retórica do Presidente e do Ministro, o Plano anunciado ignorou completamente os trabalhadores empregados rurais. Para a maior política pública da agricultura brasileira, é como se eles sequer existissem.
Durante os últimos meses, a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais (CONTAR) e a Oxfam Brasil realizaram diversas oitivas e audiências com diferentes Ministérios para alertá-los sobre essa lacuna no Plano Safra e apresentar propostas concretas para financiamento da infraestrutura necessária para as fazendas garantirem condições dignas de trabalho, como construção e reforma de alojamentos, moradias, refeitórios, instalações sanitárias, áreas de vivências, transportes de trabalhadores, entre outros.
Diligências e comunicações foram feitas com o Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério da Fazenda, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e a Secretaria Geral da Presidência da República. Nenhum Ministério apresentou oposição à inclusão de financiamento para garantir condições dignas de trabalho no Plano Safra. Ao contrário, apresentaram interesse e destacaram a importância da promoção do trabalho decente e da categoria de trabalhadores assalariados rurais.
Atualmente O Plano Safra inclui, em suas diversas modalidades, o financiamento de todo tipo de benfeitoria e infraestrutura dentro das fazendas: silos, armazéns, câmaras frias e até a moradia dos produtores. Também financia maquinários, consultorias e frotas de máquinas e veículos. Porém, apesar da proposição e incidência realizada pela CONTAR e OXFAM Brasil, os trabalhadores empregados rurais foram ignorados no Plano Safra 2024-2025, o que foi recebido com surpresa e descontentamento pelas organizações proponentes.
Vejamos, apesar do Plano Safra financiar todo tipo de infraestrutura nas fazendas, não foram garantidas aquelas inerentes a promoção do trabalho decente. Será que é aceitável que o Plano Safra não contribua para acabar com as condições precárias de trabalho? Acabar com a realidade de o trabalhador comer comida azeda porque na fazenda não há havia infraestrutura adequada para acondicionar, preservar e esquentar as marmitas no almoço? Que não contribua para um alojamento seguro, saudável e com o mínimo de conforto exigido? Que o Plano Safra não financie a dignidade do trabalhador poder usar um banheiro decente e não fazer suas necessidades no mato?
O atual Plano Safra pode financiar a regularização fundiária, a recuperação de áreas degradadas e a adequação à legislação ambiental, inclusive o pagamento de tributos. O atual governo, avançou na área da responsabilidade ambiental, mas permanece cego para os direitos humanos e a dignidade do trabalhador empregado rural.
Se nem mesmo em um governo dos trabalhadores a maior política pública para a agropecuária brasileira reconhece os trabalhadores empregados rurais e suas mazelas, será que realmente podemos nos surpreender como os suscetíveis casos de trabalho análogo a escravidão no campo que ocupam os noticiários, ano após ano?
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariadas Rurais e para a Oxfam Brasil todas as políticas públicas da agricultura devem considerar os impactos, negativos e positivos nos trabalhadores empregados rurais e a principal delas, o Plano Safra, segue omissa nesta questão.