A Oxfam Brasil manifesta profunda preocupação com a aprovação da PEC 164/12 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na última quarta-feira. Essa proposta, cuja autoria é dos ex-deputados federais Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e João Campos (PSDB-GO), visa alterar o texto da Constituição Federal para garantir a “inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”, sem exceções, o que representa um ataque direto aos direitos reprodutivos das mulheres brasileiras e demais pessoas que gestam, na prática inviabilizando qualquer possibilidade de aborto legal no país.
A PEC 164/12, apresentado originalmente em 2012, é parte de uma ofensiva mais ampla contra os direitos sexuais e reprodutivos. Ao longo de sua tramitação, tem sido alvo de preocupação de organizações da sociedade civil, especialistas em saúde pública e ativistas, que alertam para seus impactos desastrosos, especialmente sobre as mulheres negras, periféricas e em situação de pobreza.
Atualmente, o aborto legal no Brasil é permitido em três circunstâncias, independentemente do avanço da gestação: em casos de estupro, quando há risco à vida da pessoa gestante e em casos de anencefalia do feto (má formação do cérebro). Na prática, o texto aprovado na CCJ proíbe o aborto inclusive nesses casos que hoje são autorizados por lei.
A iminência do abuso sexual, e a urgência do direito ao aborto legal
Os dados mais recentes sobre o enfrentamento à violência de gênero no Brasil reforçam a gravidade da situação. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram registrados 74.930 casos de estupro, desses 40% eram meninas negras, considerando que a maior parte das vítimas dos estupros no Brasil possuem menos de 13 anos e, em sua maioria, são vítimas de abuso sexual sofrido, muitas vezes, em casa, a proibição do aborto tende a anular a proteção das vítimas de estupro e aumentará a recorrência de abortos clandestinos.
Ainda, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o aborto clandestino é o quinto maior causador de morte parturientes no país, dessas são as mulheres negras a maioria.
A proibição, e consequente criminalização de todas as formas de aborto também acirra questões de segurança pública e violência racial e de gênero. De um lado, impacta diretamente o adensamento da vulnerabilidade das mulheres que vivenciam relacionamentos abusivos ou exploração sexual, o que pode intensificar a violência policial e o encarceramento sobre as vítimas. De outro, legitima-se a impunidade dos abusadores e a permanência dos ciclos de violência.
A PEC 162/12 s não protege. Pelo contrário: Expõe as meninas, mulheres e pessoas que gestam a maiores graus de violência, aprofundando as desigualdades estruturais já existentes, agravando a situação de meninas e mulheres que enfrentam diariamente o assédio, o estupro, a transfobia, o racismo e o machismo. Essa proposta desconsidera o direito à autonomia sobre os próprios corpos e ignora os princípios de dignidade e equidade previstos na Constituição.
Pessoas que gestam devem decidir sobre seus corpos
A Oxfam Brasil atua pela Justiça Racial e de Gênero e é uma organização aliada da luta contra os retrocessos nos direitos sexuais e reprodutivos, a exemplo do apoio à campanha Criança Não é Mãe, à Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, entre outras organizações que têm liderado essa agenda.
Reafirmamos nosso compromisso com o enfrentamento das desigualdades, defendemos políticas públicas que garantam direitos humanos fundamentais e promovam a justiça social, com especial atenção às demandas das mulheres negras e pobres. Não podemos retroceder em conquistas históricas que salvam vidas e garantem dignidade.
Seguiremos nossa mobilização ao lado das demais organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais para impedir que retrocessos como esse se consolidem.