Nesta terça-feira (10), em comemoração aos seus 10 anos de atuação no Brasil, a Oxfam Brasil lança o relatório “Um Retrato das Desigualdades Brasileiras: 10 anos de desafios e perspectivas”, que oferece uma análise abrangente das desigualdades sociais no país entre 2014 e 2024. A publicação destaca como a consolidação da democracia e a ampliação de pautas identitárias no período resultaram em mais direitos e programas de redistribuição de renda, apontando também desafios urgentes para os próximos anos.
Entre os avanços destacados no relatório, está a saída de 14,7 milhões de pessoas da fome extrema em 2023, reflexo de políticas redistributivas como o Bolsa Família. Além disso, a implementação de cotas raciais nas universidades públicas resultou no aumento da participação de estudantes negros, que passou de 40% em 2011 para 51% em 2019. “Esses dados mostram que políticas públicas inclusivas têm o poder de transformar vidas e reduzir desigualdades históricas”, afirma Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Outro ponto positivo observado no período foi a redução do Índice de Gini, que chegou a 0,504 em 2014, o menor patamar da década, no último ano do governo de Dilma Rousseff, antes do impeachment. O índice é uma métrica de desigualdade de renda e sua queda reflete esforços em redistribuição econômica. Anos depois, houve um agravamento deste cenário, especialmente durante a pandemia de Covid-19, em 2020, quando o indicador atingiu 0,541, seu maior pico na década. O índice voltou a cair a partir de 2024, chegando a 0,509 atualmente (Pnad, IBGE).
Por outro lado, o relatório também expõe retrocessos preocupantes, como o impacto da Emenda Constitucional 95, de 2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos, comprometendo investimentos em áreas essenciais como saúde e educação. “Essa política de austeridade afetou diretamente a população mais vulnerável e comprometeu o combate às desigualdades”, destaca o relatório. Outra medida prejudicial foi a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em 2019, que contribuiu para o aumento da pobreza e a volta do Brasil ao Mapa da Fome entre 2019 e 2022.
O relatório também comparou as desigualdades de gênero e racial entre os anos de 2013 a 2023. Há dez anos (Pnad, 2013), os homens brancos, que eram 27,24% da população, concentravam quase 40% da renda nacional. Já os homens negros, que compunham 31,36% da população, ficavam com apenas 25,33% da renda. Mulheres negras tinham a situação mais desfavorável: representavam 20,1% da população, mas detinham somente 12,38% dos rendimentos.
Uma década depois, esses números indicam avanços diferentes. Em 2023, os homens negros passaram a representar 32,19% da população, com uma fatia da renda que subiu para 26,8%. As mulheres negras, que agora correspondem a 22,45% da população, tiveram sua participação nos rendimentos aumentada para 15,01%. Apesar desse crescimento, ainda estão muito distantes da igualdade com homens e mulheres brancos.
Homens brancos ainda representam mais de 35% dos rendimentos totais do país em 2023, mesmo compondo apenas 24,57% da população. Mulheres brancas, embora estejam mais próximas da paridade de gênero, continuam muito à frente das negras em termos de participação na renda, recebendo mais de 21% dos rendimentos totais.
A concentração de renda nos grupos mais privilegiados também é evidente quando se analisam os 10% mais ricos do país. Quase metade desse grupo é composta por homens e mulheres brancos, que detêm mais de 30% da renda total do Brasil. Em contraste, negros e negras, que representam a maioria da população, ocupam uma posição muito menor nesse topo da pirâmide.
“Ao longo da última década, algumas políticas públicas, como a ampliação de creches e escolas de tempo integral, ajudaram a mitigar a desigualdade de gênero. No entanto, a questão racial não recebeu a mesma atenção. A falta de políticas específicas para negros e negras perpetua a disparidade histórica, especialmente no mercado de trabalho e na distribuição de renda”, diz o texto.
Outro tema abordado é a relação entre justiça climática e vulnerabilidade social. Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, têm atingido de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis, especialmente mulheres negras, intensificando os ciclos de pobreza. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas poderão causar até 250 mil mortes adicionais por ano globalmente devido à desnutrição e doenças.
Apesar dos desafios, o relatório da Oxfam Brasil também aponta caminhos para o futuro. A retomada de políticas redistributivas, como a expansão do Bolsa Família, já começa a mostrar resultados positivos. Além disso, o fortalecimento da democracia e a ampliação da participação social são destacados como medidas fundamentais para enfrentar desigualdades e mitigar os efeitos da crise climática. “O Brasil tem uma oportunidade histórica de reverter retrocessos e avançar em direção a uma sociedade mais justa e igualitária”, finaliza a diretora-executiva da Oxfam Brasil.