Gustavo Ferroni - Coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos
A Oxfam Brasil utiliza cookies para melhorar a sua experiência
Ao continuar navegando na nossa página, você autoriza o uso de cookies pelo site.
As dificuldades da vida do trabalhador rural no Brasil
21/10/2019Sobre o autor:
Gustavo Ferroni - Coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos
Pele queimada do sol, corpo suado, trabalho duro diário e mão calejadas. Pessoas duras, resistentes e batalhadoras. Essas são algumas das características que no imaginário urbano são atribuídas aos trabalhadores rurais. E muitas podem encontrar respaldo na realidade.
Mas será que associar tais elementos a essas pessoas faz com que nós nos importemos menos com suas condições de trabalho? Será que lá no fundo de nossas mentes não tem uma voz dizendo “eles aguentam”?
Ninguém é mais apto do que outros. Ninguém deve ser sujeitado a condições piores ou mais difíceis. As leis trabalhistas tratam todos com isonomia.
Atribuir características de dureza e resistência ao trabalhador rural pode estar por trás de preconceitos profundos que residem dentro de todos nós brasileiros. Um país não passa por quase 400 anos de escravidão e sai incólume.
O racismo está institucionalizado e permeia nosso imaginário. É importante lembrar que, de acordo com dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017, a maioria dos trabalhadores rurais são negros e, segundo os dados do Ministério da Economia, 86% dos regatados em condições análogas à escravidão são pretos ou pardos.
Desde 1995 foram mais de 50 mil trabalhadores resgatados de situações análogas à escravidão. Os setores campeões são: pecuária (33%), cana de açúcar (22%), outras lavouras temporárias (10%) e lavouras permanentes 9%.
Passa o tempo e sempre escutamos denúncias de violações de direitos, trabalho análogo ao escravo e péssimas condições de trabalho no Brasil rural. Será que já estamos amortecidos e não atribuímos aos trabalhadores rurais a mesma humanidade que atribuímos aos nossos amigos, colegas e familiares?
É preciso se solidarizar cada vez mais com os trabalhadores rurais. Superar o trabalho análogo ao escravo é uma obrigação mínima. Mas as condições de trabalho rural precisam melhorar muito além disso.
É possível que um trabalhador, formalizado e trabalhando em condições totalmente dentro da lei, corte 12 toneladas de cana em um dia? Pois este é o caso muitos trabalhadores rurais do estado de São Paulo. De acordo com um estudo, o trabalhador que atingir esta marca terá, em um dia:
É uma jornada que não se compara nem com a mantida pelos maiores atletas do mundo. Se esta é a situação de um trabalhador rural cortador de cana que está atuando de maneira regularizada, imagine as condições daqueles que enfrentam informalidade e outros abusos.
Em dezembro de 2018, trabalhadores denunciaram as condições degradantes em um fornecedor da Sucocítrico Cutrale – uma gigante do setor cujo proprietário é sócio da Coca-Cola Femsa no Brasil e tem com o banco Safra uma sociedade na empresa Chiquitita.
De acordo com reportagem da ONG Repórter Brasil, os trabalhadores relataram que estavam colhendo laranjas sem equipamento de segurança, e sem acesso a banheiros ou água potável. O transporte era inadequado, não havia registro de ponto ou controle de produção, e os trabalhadores estavam recebendo menos do que um salário mínimo por mês.
Outro exemplo vem do café. Em 2018, a Repórter Brasil revelou que uma fazenda com selo de boas práticas da empresa Starbucks foi flagrada com trabalho análogo ao escravo. De acordo com a reportagem, os trabalhadores rurais eram expostos a condições degradantes de trabalho, viviam em alojamentos precários, sem rede de esgoto e água potável.
O agronegócio brasileiro é muito poderoso e fornece seus produtos para as maiores empresas do mundo. Sem dúvida há produtores que respeitam os trabalhadores e oferecem boas condições, mas infelizmente é difícil separar o “joio do trigo”. Grandes produtores e empresas importantes não conseguem manter suas operações livre de problemas.
É muito importante que o resto da sociedade brasileira, em especial os consumidores urbanos, os investidores, as empresas que dependem de matérias primas rurais, como alimentos e commodities, não deixem de se solidarizar com o trabalhador rural e buscar contribuir para mudar esta situação.
Não podemos nos acomodar e/ou nos acostumar com esta situação. O campo brasileiro precisa de atenção especial, como disse o chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Norte, em entrevista à Oxfam Brasil:
“O campo, historicamente, tem sido o seguimento econômico que recebe mais atrasado os direitos. Mesmo Getúlio Vargas, com seu trabalhismo, negou aos trabalhadores rurais direitos. Eles não entraram nem na CLT naquele tempo. A lei de trabalho rural é de 1973. Então, para o campo, os direitos chegam sempre depois.”
Este atraso deixou um legado histórico. Trabalhadores rurais ficaram 30 anos sem os mesmos direitos que os trabalhadores urbanos. Estes mesmos trabalhadores só foram incluídos na Previdência com a Constituição de 88.
Cabe a nós, consumidores e trabalhadores urbanos, deixarmos claro para o governo e para as empresas que não aceitaremos que ninguém seja deixado para trás. Que direitos e dignidade não são negociáveis, e que o trabalhador rural, portanto, merece atenção dobrada.
Desigualdade no campo
Receba as principais notícias sobre desigualdades semanalmente no seu e-mail