Por mais contraditório que possa parecer, quem produz nossos alimentos, muitas vezes, mal tem o que comer. O trabalho no campo é árduo, inseguro e mal remunerado. E os grandes supermercados reforçam essas desigualdades no campo.
E isso tudo não é exclusividade do Brasil. A vulnerabilidade dos trabalhadores que produzem alimentos é uma realidade em diversos países, e nosso relatório Hora de Mudar, lançado em 2018, mostra isso.
No entanto, essas desigualdades não existem por acaso – elas têm a ver com assimetria de poder. É o que acontece, por exemplo, na cadeia de fornecimento de alimentos para os supermercados. Nela, os grandes produtores têm preferência, o que deixa os pequenos produtores em situação bem difícil.
Você pode estar pensando: “o mercado é assim, é uma questão apenas de efetividade e custo.” Mas existem outros fatores envolvidos e é sobre eles que vamos falar.
Assimetria de poder
Essa grande assimetria de poder que existe entre os trabalhadores, os consumidores e as grandes empresas (principalmente as globais), gera muitos impactos. Os pequenos agricultores acabam sendo excluídos desse processo, especialmente os familiares. Isso gera fome, pobreza e desigualdades no campo.
Outra consequência é que esses pequenos agricultores acabam tendo que vender para intermediários que têm capacidade de processamento, criando assim poderosos intermediários na cadeia.
E é aqui que entram os grandes grupos varejistas. Os supermercados reforçam as desigualdades no campo e têm papel de ditar como que essa dinâmica vai acontecer, mesmo que indiretamente. São, por isso, um dos grandes responsáveis por alimentar as desigualdades nas cadeias de fornecedores de alimentos.
Concentração de renda na agricultura
O processo de concentração de renda na agricultura é muito forte no Brasil. Quando falamos sobre a cadeia de frutas, muito voltadas à exportação, o que exige um alto padrão de qualidade e padronização, o impacto é ainda mais severo.
Assim, os supermercados e as grandes produtoras de alimentos e bebidas acabam concentrando seu fornecimento nos grandes fornecedores, excluindo os pequenos.
A situação das mulheres
Sabemos que as cadeias de alimentos são altamente excludentes. Elas reforçam a situação de injustiça de gênero presente na sociedade. Na cadeia global do tomate, por exemplo – que envolve países como a Itália, o Marrocos e a África do Sul – notaos que, mesmo tendo predominância da mulher, o salário feminino ainda é menor que o dos homens. Vemos que existe um problema estrutural.
Além disso, analisamos 16 supermercados europeus e estadunidenses para entender que tipo de políticas eles adotam para o início da cadeia de fornecimento. A parte de políticas com enfoque de gênero teve os piores resultados. Foi praticamente inexistente.
Então, não existe preocupação por parte de grandes supermercados, que ancoram grandes cadeias de abastecimento, para a situação das mulheres na produção de alimentos.
O que os grandes supermercados podem fazer?
Nós lançamos uma campanha justamente para chamar atenção ao fato de os três maiores supermercados brasileiros estarem reforçando as desigualdades no campo.
Eis algumas demandas que enviamos ao Carrefour, Pão de Açúcar e Big, para que façam a sua parte no enfrentamento da pobreza e más condições de trabalho para milhares de pessoas.
Os supermercados podem:
- se comprometer publicamente com a dignidade dos trabalhadores da fruticultura;
- estabelecer diálogo direto com os trabalhadores para conhecer os problemas mais comuns;
- apoiar as mulheres trabalhadoras rurais no combate à desigualdade de gênero no campo;
- apoiar estudos independentes sobre as consequências dos agrotóxicos para os trabalhadores das frutas, o meio ambiente e os consumidores.
Portanto, cabe aos consumidores pressionarem para que os supermercados usem seu poder para exigir que seus fornecedores não comercializem frutas com base no sofrimento de milhares de trabalhadores rurais. E eles podem fazer.
Foi com esse intuito que lançamos uma petição online – já assinou? Quase 30 mil consumidores deram seu recado e você também pode dar o seu!
Políticas públicas para enfrentar a situação
O Brasil vinha superando a questão da fome no campo por meio de importantes políticas públicas específicas. Entretanto, nos últimos anos a fome voltou a assombrar o país e hoje é novamente uma triste realidade.
Como mostramos em nosso relatório País Estagnado, pela primeira vez nos últimos 15 anos, a redução da desigualdade de renda parou no Brasil. Em 2016, o espaço dedicado aos gastos sociais no orçamento federal retrocedeu 17 anos. Retrocessos políticos vêm acelerando esse processo.
Nesse sentido, acreditamos que somente ações coletivas poderão garantir direitos e políticas públicas que enfrentem essa situação. Por isso, precisamos que os cidadãos estejam alertas e conscientes sobre o que vem acontecendo no país.
Além disso, o próprio mercado pode atuar em favor. Investidores e acionistas também podem cobrar posições. Esse é um trabalho que nós da Oxfam Brasil tentamos construir, a partir da mobilização de diversos atores.
Porque se os supermercados reforçam desigualdades no campo, eles também são parte da solução no enfrentamento dessas desigualdades.
Defesa da agricultura familiar
A Oxfam Brasil sempre trabalhou em defesa da pequena agricultura, da agricultura familiar, como uma maneira de combater a pobreza e a desigualdade. E esse trabalho envolve uma análise de como funcionam as cadeias produtivas globais de alimentos e qual o papel das grandes empresas da ponta com relação à origem dessas cadeias no campo.
Já fizemos campanhas pressionando outros tipos de empresas – como as grandes produtoras de alimentos bebíveis: Coca-Cola, Nestlé, Unilever. Mas, dessa vez, fizemos uma análise focada nos supermercados.
Principalmente porque, na Europa e nos Estados Unidos, a tendência em alguns anos é haver uma concentração do mercado de supermercados. E o que se nota é que ser mais preponderante a partir de um aumento de poder deles.