A reforma tributária em discussão hoje no Congresso precisa ir além da simplificação dos impostos sobre o consumo, base das propostas em avaliação na Comissão Mista de Reforma Tributária instalada semana passada, se quiser reduzir desigualdades econômicas e sociais do país. Para os especialistas reunidos pela Oxfam Brasil e Fenafisco no seminário “O Papel da Reforma Tributária na Redução de Desigualdades no Brasil”, realizado na Câmara dos Deputados, em Brasília, a reforma tributária que o Brasil precisa tem que mudar significativamente a estrutura do sistema como um todo.
A reforma tributária, afirmaram tributaristas, economistas, advogados, deputados, senadores e procuradores que participaram do seminário, não pode ignorar a necessidade de se mudar a forma como o Brasil tributa renda e patrimônio.
Hoje, a tributação brasileira se concentra mais no consumo do que na renda e no patrimônio e riqueza, penalizando assim a população mais pobre. Enquanto isso, o topo da pirâmide conta com inúmeras isenções e privilégios fiscais. Com isso, os super-ricos no Brasil acabam pagando proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres.
Propostas e soluções em debate
Ao longo de todo o dia, cerca de 150 pessoas, dezenas de parlamentares e especialistas de todo o país compareceram ao seminário para debater a reforma tributária que o Brasil precisa. Nas três mesas de discussão, os participantes falaram sobre as causas e feito das desigualdades no Brasil, o papel da Constituição e da tributação na redução dessas desigualdades, e como passar de um sistema tributário regressivo – como o que temos hoje – para outro mais progressivo.
Veja abaixo quem participou do seminário (clique na imagem para aumentar, clique novamente para voltar):
Reforma tributária tem que reduzir desigualdades
O presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Oded Grajew, abriu o evento afirmando que as atuais propostas de reforma tributária em discussão no Congresso são “inconstitucionais”, porque aumentam ou preservam a desigualdade. Portanto, para saber qual reforma tributária o Brasil precisa basta consultar a Constituição Federal, afirmou. Isso porque em seu artigo 3º ela deixa claro que a redução das desigualdades é um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro. “A nossa desigualdade é vergonhosa porque não é pouca. Somos campeões mundiais em desigualdade.”
Para Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, a mudança de nosso sistema tributário é uma questão mais política do que técnica. Ela lembrou, por exemplo, que as mulheres negras são hoje as que mais sofrem com a tributação desequilibrada que temos. Sendo assim, toda proposta em discussão tem que levar em conta a imensa maioria da população, que hoje é prejudicada pelo sistema tributário. “Não falta competência técnica para fazer a reforma tributária. Temos uma Constituição que é avançada. Ela diz que é responsabilidade do Estado reduzir desigualdades. O desafio é de escolha política.”
Ação no STF questiona reforma tributária
A Fenafisco, com apoio da Oxfam Brasil e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), protocolou no último dia 3 de março uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a regressividade do atual sistema tributário brasileiro. A ação foi elaborada por Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e advogada do CADHu.
De acordo com o artigo 3º da Constituição Federal, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Sendo assim, a ADPF pede que o STF determine que os poderes Legislativo e Executivo orientem mudanças pela igualdade tributária a fim de sanar esta inconstitucionalidade. “O objetivo ao entrar no Supremo, é dar um recado ao Congresso, um empurrãozinho”, diz Eloísa Machado. “É papel do STF colocar meta constitucional na reforma. Estamos dizendo: olha, Congresso, essa reforma tem de atingir a progressividade. Não pode ser mais do mesmo”. Com essa ação, a Fenafisco e a Oxfam Brasil esperam que o STF fique mais atento à reforma construída no Congresso.
Críticas às PECs em debate no Congresso
O professor Paulo Feldman, da USP, destacou a importância da taxação do patrimônio dos bilionários brasileiros. Somente com essa medida seria possível, afirmou, resolver boa parte do problema de arrecadação no país. Já a professora Débora Freire, da UFMG, destacou que o atual modelo de crescimento favorece a concentração de renda no Brasil e que isso pode e deve ser resolvido por meio de uma tributação mais progressiva.
Para Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, o tema das desigualdades é central na agenda global. Portanto, não poderia ser diferente no Brasil, já que o país é um dos mais desiguais do mundo. “E como se enfrenta a desigualdade? Há dois mecanismos clássicos: a tributação de renda e patrimônio e pelo gasto público. O Brasil não faz uma coisa nem outra.” Sendo assim, a reforma em discussão no Congresso tem que se concentrar mais nesses dois pontos, disse Fagnani.
Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ, afirmou que precisamos urgentemente aumentar a taxação do patrimônio e da renda, principalmente dos topo da pirâmide brasileira, para diminuir as desigualdades. “Como outros países conseguiram reduzir desigualdades pela tributação? Cobrando impostos sobre patrimônio. E o Brasil nunca efetivamente tributou patrimônio.”
Atual sistema tributário é ruim e distorcido
A procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Elida Graziane, defendeu uma teoria geral do contingenciamento para impedir que despesas obrigatórias, conforme previstas na Constituição, sejam bloqueadas ou adiadas. “Não se pode dizer que temos uma crise fiscal e que precisamos cortar no piso da Saúde e da Educação. Não é a Constituição que tem que caber no orçamento, é o orçamento que só é legítimo à luz da Constituição brasileira.”
Josué Pellegrini, diretor do Instituto de Justiça Fiscal, afirmou que a reforma tributária é tão ruim que isso acaba sendo uma boa notícia. Isso porque a nossa carga tributária tem hoje uma baixa participação de renda e propriedade. “Isso mostra as principais distorções de nosso sistema, que é muito ruim. A boa notícia é que podemos melhorar muita coisa com essa reforma.”
A advogada Eloísa Machado, professora da FGV, afirmou que a desigualdade no Brasil é “atroz, profunda e persistente”. Entretanto, nossa Constituição tem como preceito fundamental o seu combate. “Como essa Constituição conviveu tanto tempo com tamanha desigualdade? Qual mecanismo não deu certo?”, questionou.
Assista abaixo a íntegra do seminário: