A periferia está no firme combate ao coronavírus, para suprir a falta de iniciativas do poder público. Com isso, as comunidades tomaram a iniciativa e estão criando diversas ações para impedir que a pandemia piore ainda mais as condições de vida de seus moradores.
No Complexo do Alemão, conjunto de favelas do Rio de Janeiro onde moram 180 mil pessoas, o ativista René Silva, fundador do jornal Voz das Comunidades, não esperou que o Estado fizesse algo para combater o coronavírus. Junto com outras organizações e coletivos de periferia, arregaçou as mangas e logo no início da pandemia se mobilizou no combate ao vírus. Ele já sabe que esperar por ajuda do poder público seria assinar o atestado de óbito de um número muito maior de mortes nas periferias.
“Quando a gente vive aqui, no meio do caos, do tiroteio, o único jeito é contar com a gente mesmo. Não fica esperando. Se esperar, nada acontece. É nós por nós”, relatou René Silva em live da Oxfam Brasil realizada nesta quinta-feira (30/4) pelo canal da organização no Youtube. A live contou também com a participação da economista Laura Carvalho (autora do livro Valsa Brasileira) e foi mediada pela diretora-executiva da entidade, Kátia Maia.
Líderes do Complexo do Alemão criam ‘gabinete de crise’
A periferia combate coronavírus com estratégias diversificadas. Há um mês e meio, René e outros líderes criaram o gabinete de crise do Complexo do Alemão, com ações de comunicação para informar a população sobre a seriedade da pandemia, organizaram ainda uma rede de ajuda humanitária que já distribuiu 5 mil cestas básicas e 120 mil litros de água para a comunidade.
A novidade é que estão prestes a abrir um pólo de assistência de saúde no Complexo do Alemão, em parceria com a Fiocruz. O objetivo é realizar testes em massa e prestar o primeiro atendimento em casos suspeitos de coronavírus.
Para a economista Laura Carvalho, professora de economia da USP, o mundo pós-pandemia depende do que está sendo feito agora. Por isso, defende que as organizações façam uma dura cobrança do Estado para que ele exerça seu papel de proteção social e de garantia de saúde pública à população. “Precisamos criar uma agenda de transformação social. A pós pandemia não é um mundo abstrato, depende da ação de todos nós. Portanto, precisamos aprofundar estas mobilizações e debates”, comentou.
Responsabilidade do poder público não pode ser esquecida ou abandonada
Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, concorda com Laura. “A responsabilidade do poder público não pode ser esquecida nem abandonada.” Por isso, o Brasil hoje enfrenta um duplo problema: a pandemia de coronavírus e um governo federal que não oferece condições econômicas ou sociais, nem governabilidade, para lidar com essa crise.
“Todo o mundo está vivendo um momento desafiador, mas nós temos o agravante desta conjuntura política que não prioriza o enfrentamento da desigualdade”, afirma Katia.
Laura Carvalho listou algumas ações urgentes que o governo federal e nas outras esferas poderiam adotar para minimizar o impacto da pandemia na camada mais pobre da população. Uma delas é a prorrogação do pagamento da renda básica emergencial para criar condições para que as pessoas mais vulneráveis realmente possam cumprir o isolamento social.
Realocação de leitos de hospitais privados para o SUS
A economista sugeriu ainda que leitos dos hospitais privados sejam realocados para o SUS, como forma de suprir a demanda de internações. E aconselhou ainda a utilização de quartos de hotéis, financiados pelos governos, para isolar pessoas suspeitas de terem contraído o vírus. Por exemplo, de quem mora em habitações precárias em que não é possível realizar o distanciamento social. Segundo ela, isso está sendo feito em Portugal. “O governo pode ressarcir os hotéis com uma diária mínima”.
A Oxfam Brasil está promovendo ‘lives’ em seu canal no Youtube toda quinta-feira, às 11 horas. Confira aqui as que já foram realizadas.