Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Desde sempre no banco de reservas do mercado de trabalho, e há anos sofrendo com desemprego e falta de oportunidades, os jovens brasileiros (de 18 a 24 anos) são um segmento da população que sentiu fortemente as consequências sociais da pandemia da covid-19.
Falta de renda e de perspectivas profissionais, dificuldades para manter os estudos e ansiedade foram algumas de suas vivências durante 2020.
Todas essas experiências são agravadas por questões de raça e classe social. Corremos o risco de termos uma “geração perdida” e, por isso, é fundamental que as demandas das juventudes sejam incluídas nos planos estratégicos e políticas públicas a serem instituídas como formas de retomar o desenvolvimento do país.
Acompanhe a leitura e compreenda a situação durante e o futuro dos jovens no cenário pós-pandemia!
O que não era simples, ficou ainda mais difícil
Em meados de setembro de 2020, a taxa de desemprego no Brasil já ultrapassava a casa dos 13%. Os jovens que têm entre 19 e 24 anos, aqueles que estão no início da vida profissional, são 29,7% desse total. Na mesma época do ano, o índice de desocupação dos jovens beirava os 26%, de acordo com o jornal Folha de S. Paulo. A pandemia de coronavírus com certeza teve influência direta nesses índices.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o impacto dessa crise de covid-19 no mercado de trabalho global mostrou que um em cada seis jovens perderam seu emprego após o início da pandemia. Entre os que conseguiram manter os seus empregos, a jornada de trabalho foi reduzida em 23%, causando consequentemente uma redução da renda — e consumo — dessas pessoas.
Outro ponto que precisa ser ressaltado é que a elevada taxa desocupação entre os jovens não é por acaso. Em 2019, dos novos postos preenchidos por eles, 3 em cada 4 eram informais. Essa informalidade acaba contribuindo para a eliminação desses postos de trabalho em momentos de crise como a que estamos vivendo atualmente.
O impacto da pandemia na educação dos jovens
A pandemia de coronavírus também teve forte impacto na educação dos jovens. Muito se adotou a Educação a Distância (EAD) para compensar a impossibilidade de termos aulas presenciais nas instituições de ensino, mas a sua efetividade foi bastante contestada, porque as condições não eram iguais para todas e todos.
As desigualdades, mais uma vez, ficaram bem evidentes. Com isso, aumentaram a ansiedade e incertezas sobre o futuro dos jovens, principalmente os que estão em situação de maior vulnerabilidade.
“As instituições de ensino querem que eu aprenda um monte de coisas, sendo que a minha prioridade agora é sobreviver. E eu preciso sobreviver nesse momento, eu não preciso aprender coisa nova, não tem o porquê eu estar focado em conteúdos muito específicos”, afirmou jovem ouvido pela Pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, publicada em junho de 2020.
A mesma pesquisa também trouxe dados alarmantes em relação ao que enfrentaram os jovens neste período e quais são seus principais pensamentos em relação à sua formação.
“Três em cada 10 jovens confessaram que já pensaram em não retornar [aos estudos]; 52% não pretendem fazer o Enem, 17% estão indecisos e somente 31% pretendem fazer as provas; sete em cada 10 jovens estão pessimistas em relação à economia brasileira após a pandemia e metade dos respondentes consideram que o governo do país vai piorar um pouco ou muito um ano depois de a pandemia acabar.”
O necessário recorte de classe e raça
Ao olharmos para as dificuldades em relação à formação e geração de renda desses jovens, é preciso que lembremos do abismo de classes que existe no Brasil. Os jovens que estão mais próximos da informalidade no mercado de trabalho são, em geral, os mais pobres e majoritariamente negros. E são justamente esses que têm maior dificuldade em dar continuidade a seus estudos.
Falta de acesso à internet de qualidade, poucos dispositivos para acessar à rede sendo usados por várias pessoas de uma mesma família e perda de renda para o custeio de mensalidades são só alguns dos fatores que fazem a formação escolar ou acadêmica de pessoas pobres, sobretudo durante a pandemia, um desafio quase intransponível.
Se focarmos nos dados trazidos pela Pnad/IBGE sobre evasão escolar, entenderemos os motivos que tornam os recortes tão necessários.
Segundo os dados levantados, 39,1% dos jovens abandonam a escola por necessidade de trabalhar e 29.2% por falta de interesse. Entre as mulheres, 23,8% desistem por gravidez e 11,5% devido à necessidade de trabalharem em casa, em atividades domésticas. Entre os 46,9 milhões de brasileiros com idades entre 15 e 29 anos, 22,1% não trabalham, não estudam, nem se qualificam, e mais da metade das pessoas de 25 anos ou mais não completaram o ensino médio no Brasil. Dos que completaram o ensino médio, 82% não acessam o ensino superior.”
E o futuro dos jovens pós-pandemia?
Para os jovens periféricos que já viviam desempregados ou trabalhando na informalidade, a pandemia trouxe uma realidade com menos recursos e muito mais incertezas. Nesse caso, manter o otimismo não é algo simples.
“O novo normal não contempla a periferia. Ela só fará parte por meio de muita luta e mobilização”, afirma Marcos Vieira, representante do Comitê Executivo da Uni Américas Juventude, instituição que promoveu reuniões com jovens de vários países para discutir o ‘novo normal’.
Para Lucimara Malaquias, vice-presidenta da Uni Américas Juventude, num contexto de retração econômica, empresas e governos tendem a penalizar os trabalhadores, com redução de salários e direitos. E isso tem geralmente maior impacto sobre os jovens, que acabam ficando sem ter oportunidades no mercado de trabalho.
De acordo com o economista Stefano Scarpetta, diretor da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), existe a possibilidade de todos os fatores que mencionamos acima resultarem na transformação dos que hoje compõe esse segmento se tornarem uma “geração perdida”.
O termo e a teoria usam como exemplo a situação do Japão durante a década de 1990. Por não terem acesso a bons empregos, jovens japonês da época precisavam recorrer a subempregos para se manter. Após a melhora do cenário econômico do país, anos depois, as empresas preferiram contratar pessoas mais jovens e que não tinham passado pelos subempregos. Ou seja: aqueles jovens prejudicados pela recessão econômica não se beneficiaram quando a recuperação veio.
Especialistas brasileiros, no entanto, não acreditam na possibilidade do surgimento de uma geração perdida no Brasil. Guilherme Soárez, VP de Educação Continuada da Ânima Educação, afirma que há a possibilidade de a geração de jovens brasileiros pós-pandemia se desenvolver. Mas isso só ocorrerá se esses jovens se prepararem para essa nova realidade e serem mais protagonistas de sua própria trajetória. “Estamos hoje vivendo a dor do parto do nascimento de um mundo novo. Mas ele chegou e precisamos lidar com esse novo contexto”, afirma Soárez.
A questão é: em um país tão marcado pelas desigualdades como o Brasil, é possível que no futuro dos jovens pobres e periféricos eles tenham os recursos para lidar com esse novo contexto?
Entenda por que é fundamental garantir o direito à profissionalização, ao trabalho e à renda aos jovens!
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