A desigualdade econômica pode ser causa ou consequência de outras disparidades — a social e a política, por exemplo. Elas são evidenciadas a partir do lugar onde o indivíduo nasceu, seu gênero e até os pais que possui. Todas as formas de desigualdade estão intimamente relacionadas e se auto perpetuam.
Além disso, a desigualdade econômica pode ser potencializada — ou reduzida — com políticas públicas. Entretanto, quando não há interesse político ou as diferenças estão muito enraizadas na sociedade, também é preciso contar com a solidariedade.
A ajuda humanitária minimiza as consequências da desigualdade de renda e riqueza, cujas mazelas comprometem a dignidade humana e o desenvolvimento. A desigualdade global é a consequência de séculos de progresso heterogêneo.
Neste artigo, falaremos sobre a desigualdade econômica, os elementos que configuram a renda, os principais fatores dessas disparidades e o que pode ser feito para mitigá-las. Vamos lá?
Quais elementos configuram a renda?
A renda está intimamente ligada à riqueza. Entretanto, uma pode ocorrer sem que a outra ocorra. Vamos aos exemplos práticos. Um indivíduo pode gerar renda a partir da locação de bens que ele possui (o aluguel de um imóvel, por exemplo). Qualquer tipo de bem pode ser considerado riqueza.
Além disso, é possível que uma pessoa tenha riqueza sem necessariamente ter uma boa renda, por exemplo, com uma herança. Entretanto, a partir desse ponto é provável que esse indivíduo transforme essa riqueza em renda recorrente.
Os elementos que afetam a renda são chamados de doação de dotação e integram todo o bem com potencial de abalar de alguma forma a renda, seja um terreno ou um portfólio de ações na bolsa de valores.
Mas também existem fatores que alteram a condição econômica de um indivíduo e sobre eles as pessoas geralmente focam os seus esforços. Isso, quando o contexto em que eles estão inseridos os permitem fazê-lo.
Esses fatores abrangem o nível e a qualidade do ensino, participação em cursos, treinamentos e outras formas de qualificação profissional e diferenciação no mercado de trabalho.
Também existem fatores sobre os quais o indivíduo não tem poder de decisão e cuja interferência pode condicionar a sua situação econômica no presente e no futuro:
- raça;
- gênero;
- nacionalidade.
A renda mínima para garantir a dignidade e a qualidade de vida de um indivíduo e sua família deve ser determinada pela quantia disponível. Focada para gastos após o recebimento de qualquer parcela referente aos programas de transferência de renda e depois do pagamento de todos os impostos devidos por aquela unidade familiar.
Quais são os principais fatores das disparidades de renda e suas consequências?
Muitos fatores que determinam e configuram a formação da renda de um indivíduo estão relacionados à discriminação e a outras formas de desigualdade. Discriminação porque a desigualdade de renda pode ser baseada em raça, sexo ou religião.
Já as demais desigualdades restringem as oportunidades econômicas dos menos favorecidos, em longo prazo e podem interferir significativamente no desempenho econômico do país. Além de tornar-se um ciclo difícil de ser interrompido.
Relacionamos aspectos que têm grande influência na formação dessas diferenças sociais, políticas e econômicas. Para aprofundar um pouco mais sobre os fatores que potencializam ou minimizam as disparidades de renda entre grupos, ou indivíduos.
Quando falamos sobre disparidades abrangemos tudo o que as pessoas possuem (bens e riquezas), são (qualidades individuais) ou adquirem (habilidades específicas), que lhes permitem receber renda. Veja a seguir.
Desigualdades categóricas
São as diferenças inerentes ao indivíduo. Muitos estudiosos se referem a essas diferenças como acidentes de nascimento. Um ponto de vista menos excludente não usaria o termo para classificar posturas racistas, misóginas e xenofóbicas.
Em uma sociedade ideal, as pessoas não seriam rotuladas pelas suas características físicas e esses fatores jamais seriam determinantes para a sua classificação socioeconômica.
Entretanto, grande parte de todas as formas de desigualdade existentes são atribuídas a essa diferenciação entre seres humanos, aspectos sobre os quais não temos controle. E não poderiam ser usados como pretexto para nenhum tipo de exclusão.
Origem
As desigualdades são mais evidentes entre os países, embora muitos deles tenham discrepâncias entre grupos sociais que vivem praticamente no mesmo local. Como exemplo, podemos citar uma região formada por um centro urbano e uma comunidade.
A desigualdade espacial é evidenciada principalmente no local de nascimento de uma pessoa. Está relacionada com o oferecimento de condições mínimas de vivência que poderiam influenciar as oportunidades de emprego e renda do indivíduo.
Faça um exercício simples para entender o quanto o ambiente em que se vive pode ser determinante para o seu sucesso profissional. Suponha que você está em uma situação em que precisa escolher entre as duas opções abaixo:
- a faixa de renda em que será incluído, mas o país em que você nascerá será decidido por acaso;
- o país em que você irá nascer, mas a faixa de renda em que você estará incluído será decidido por acaso.
Qual opção você escolheria?
Gênero
A forma mais comum de desigualdade categórica é a de gênero, principalmente entre homens e mulheres (há pessoas não-binárias). Existem muitas diferenças econômicas entre eles, ainda que a composição social entre os dois gêneros seja a mesma.
Geralmente, isso acontece porque as mulheres saem do mercado de trabalho para serem mães, mas não deveria ser assim.
Além disso, o papel feminino foi erroneamente atribuído aos cuidados domésticos e de terceiros da família. Isso está enraizado na sociedade de uma forma muito prejudicial para o desenvolvimento profissional de mulheres em todo o mundo.
Ainda que elas tenham condições iguais de trabalho e, muitas vezes, maior preparo quanto ao conhecimento e soft skills. Muitas mulheres ainda sofrem várias formas de assédio no ambiente de trabalho ou precisam optar por empregos de carga horária parcial para conciliar múltiplas jornadas.
Apesar de todos os empecilhos, as mulheres que atuam em cargos cujo tempo de trabalho é integral e sob as mesmas responsabilidades que os homens, ainda sofrem com as disparidades salariais. O que as mantêm em situações de dependência dentro de uma unidade familiar.
Logo, as diferenças de remuneração em função do gênero não se devem a diferenças na capacidade cognitiva ou no nível de escolaridade[1] . Isso reforça o quanto a sociedade ainda precisa caminhar rumo à equidade de gêneros para alcançar um desenvolvimento econômico legítimo.
Étnica ou racial
As desigualdades com base na identidade étnica ou racial também são exemplos de categórica (também conhecida como desigualdade de grupo). Elas estão relacionadas a diferenças econômicas entre pessoas tratadas como pertencentes a grupos e categorias sociais tradicionalmente mais poderosas.
Assim como as questões de gênero, as de cunho étnico ou racial são cruéis, pois julgam os indivíduos sob aspectos pelos quais não há controle. Esse é o resultado de anos de escravidão e subjugação dos povos que não correspondem às expectativas de um grupo considerado superior.
Desigualdades intergeracionais
Além das diferenças categóricas como nação, gênero, raça ou grupo étnico, uma segunda fonte de desigualdade econômica dentro de uma nação é a herança social. Você pode ser rico ou pobre simplesmente porque seus pais eram ricos ou pobres.
Uma forma de mensurar a desigualdade entre gerações — a desigualdade intergeracional — é por meio da análise da renda e riqueza dos pais e depois a de seus filhos adultos.
Logo, essa herança social refere-se aos processos pelos quais a situação econômica dos filhos adultos assemelham-se à situação econômica dos pais.
O processo de transmissão assume várias formas, mas principalmente, por meio de herança da riqueza, indicação profissional e composição genética. Maneira que determina a semelhança acerca de características detentoras de vantagens ou desvantagens sociais.
Por meio da influência dos pais na criação dos filhos e a transmissão de normas sociais,
conhecimentos, habilidades e conexões, é possível obter ou não vantagens e oportunidades profissionais. O que, consequentemente, influencia na renda e no exercício do poder social do indivíduo.
Entretanto, essa situação pode ser alterada com a elasticidade e a mobilidade intergeracional. Por meio da melhoria da educação pública e, principalmente, com a redução da discriminação contra os pobres, negros, mulheres, imigrantes, índios, ou qualquer outra forma de segregação pela origem.
Acesso às políticas públicas
As instituições e políticas públicas vigentes criadas para minimizar as desigualdades econômicas e sociais podem influenciar de forma significativa na distribuição de renda. Elas não precisam ser diretamente relacionadas à transferência de renda ou taxação de grandes fortunas.
É possível obter bons resultados por meio de políticas mais inclusivas e de cunho social. Também é preciso fomentar a educação como forma de mudança em longo prazo, mas com efeitos significativos na capacidade de renda e emprego do cidadão.
Adoção de tecnologia
Antes da mecanização do campo, a capacidade física de um indivíduo determinava a sua importância para o trabalho e, consequentemente, a sua renda. Com a adoção de tecnologia esse cenário mudou.
Ainda hoje, a digitalização de processos é um fator imprescindível para a produtividade e eficiência em vários setores da economia. Além de gerar dados mais precisos sobre os processos para a tomada de decisão estratégica. É possível padronizar e automatizar rotinas para torná-las mais ágeis e geradoras de resultados mais adequados.
Pessoas mais qualificadas, capazes de lidar com todas essas inovações, têm uma renda mais alta. De certa forma, e apesar de gerar mais lucratividade para as empresas, a adoção de tecnologia também aumenta o gap no mercado de trabalho e na renda.
Enquanto pessoas com melhores condições conseguem adequar suas habilidades às demandas do mercado, muitos indivíduos com menor qualificação exercem apenas atividades de inferior valor agregado. Além de receberem menores salários e terem possibilidade reduzidas de mudar essa situação, eles ainda correm o risco da substituição de suas funções pela automação.
Além disso, a tecnologia muda de forma rápida e para se destacar é preciso acompanhar essas mudanças. Ora, se muitos indivíduos não têm acesso a um nível mínimo de educação de qualidade é possível esperar que eles tenham qualificação para lidar com infraestruturas de alto nível tecnológico?
Globalização
A globalização é outro fator que interfere na desigualdade econômica e social. Isso acontece porque em teoria as fronteiras entre os países devidamente acordados para tal, são “derrubadas”. Porém, os imigrantes e refugiados que se aventuram encontram uma situação caótica muito diferente da ideal.
Além de sofrerem várias formas de discriminação, quando conseguem avançar em busca de uma moradia digna e de condições mínimas de sobrevivência, os imigrantes conseguem apenas subempregos. Seja em função de sua língua ou por outros fatores.
Isso também aumenta a estigmatização do indivíduo e, conforme acontece com negros, mulheres e outras vítimas de segregação social, as oportunidades ficam limitadas.
Representatividade e participação política
Representatividade e participação política estão entre as melhores formas de redução das disparidades sociais e econômicas. Por meio delas é possível ser mais atuante em favor das minorias, demonstrar que é possível mudar a situação vigente e operar o desenvolvimento da sociedade democrática.
Apesar disso, quebrar esse ciclo envolve questões financeiras. Como os principais patrocinadores da política nacional, as empresas e indivíduos que integram as classes mais altas da sociedade não têm o mínimo interesse em mudar a situação dos mais pobres. Uma vez que a igualdade social poderia comprometer a dinâmica do rico que se empodera às custas da pobreza dos desfavorecidos.
O que resolveria o problema da desigualdade econômica no Brasil?
Políticas governamentais bem elaboradas e implementadas podem limitar a desigualdade econômica injusta e, ao mesmo tempo, elevar os padrões de vida da população. Isso demandaria muitas mudanças no Brasil, algumas com efeitos em longo prazo.
Já falamos sobre a necessidade de criar pautas de inclusão e conscientização da população quanto a igualdade social e a importância da pluralidade para o desenvolvimento da nossa sociedade. Mas também seria preciso:
- viabilizar uma destinação correta para todos os impostos recolhidos nas esferas municipais, estaduais e federal. Uma vez que eles fomentam ações de transferência de renda para as famílias na forma de serviços gratuitos ou subsidiados;
- combate à sonegação de impostos por parte das empresas e indústrias;
- taxação de heranças e grandes fortunas;
- reforma tributária;
- aplicação do programa de renda básica universal.
Esperamos dar às próximas gerações a chance de viver dignamente. Para muitas pessoas, é injusto que poucos indivíduos desfrutem de uma vida saudável, rica e feliz, enquanto outras sobrevivem em miséria extrema.
A desigualdade econômica gera a desigualdade de oportunidades e essa é a verdadeira injustiça social.
Hiperlinkar com artigo “Acesso à educação no Brasil: os desafios da luta pela igualdade” assim que publicado.