Gustavo Ferroni - Coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos
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A tríade da devastação
12/09/2019Sobre o autor:
Gustavo Ferroni - Coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos
Há alguns meses eu conversava com representantes de movimentos sociais, povos tradicionais e sociedade civil organizada sobre o atual cenário político, considerando o governo Bolsonaro e a questão do direito à terra no Brasil. Todos estavam muito preocupados com os direitos territoriais de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e comunidades camponesas. Mas também havia uma grande preocupação com as unidades de conservação e as florestas como um todo.
Não foi uma conversa fácil. Mas nesses tempos, qual conversa sobre direitos humanos e questões socioambientais é? Me dá energia lembrar que entre os menos pessimistas estavam as mulheres quilombolas que diziam: “Já tentaram muito e não será dessa vez que vão acabar conosco”.
Em nossa discussão, uma análise muito interessante surgiu sobre como os retrocessos socioambientais deste governo viriam em três níveis:
Infelizmente essa análise se tornou realidade muito mais rapidamente do que eu esperava. Estamos no momento em que uma tríade da devastação vive na pauta do Congresso Nacional e já podemos sentir parte de suas consequências.
O fogo está devastando a Amazônia como nunca. O desmatamento aumentou 222%[i] e anunciar este dado levou a demissão do diretor do Inpe[ii] . O Ibama teve seus recursos contingenciados em 24% e lhe faltam recursos para três meses de operação[iii]. Tanto Ibama[iv] quanto o ICMBIO[v] sofreram “intervenções” militares. Este ano, nenhum recurso do Fundo Amazônia foi repassado para as agências ambientais[vi]. Este é o primeiro nível e o resultado já é devastador. Queimadas em número recorde e um incêndio massivo, criminoso, que assusta o mundo inteiro.
O segundo nível já está em andamento e avança de forma assustadora. No Congresso Nacional, com o apoio do governo e sob a tutela do deputado Kim Kataguiri[vii] ocorre a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, proposta que visa mudar o marco de como impactos sobre a natureza e povos e comunidades de atividades empresariais devem ser considerados. É uma proposta assustadora, que causou comoção na comunidade científica[viii], nos profissionais que trabalham com impactos ambientais e no Ministério Público[ix] e a sociedade civil.
Uma proposta que deixará aos frangalhos a estrutura de licenciamento com, por exemplo, a exclusão de impactos classificados como “indiretos”, exclusão do Ministério da Saúde para avaliar impactos sobre a saúde humana, aplicação de auto licenciamento para empreendimentos como a ampliação e a pavimentação de rodovias, a dispensas de licenciamento para atividades de impacto, como “melhoria” e “modernização” de infraestrutura de transportes agropecuárias e a eliminação da avaliação de impactos sobre milhares de áreas protegidas, tornando inexistentes, para fins de licenciamento, 29% das terras indígenas, 87% dos territórios quilombolas e 543 unidades de conservação da natureza.
Se o fogo atual na Amazônia assusta, se preparem para um país com essa nova Lei Geral do Licenciamento, será muito pior.
No terceiro nível, temos a última ponta da tríade de devastação: duas propostas de mudança constitucional atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados. São as PECs 187/2016 e 343/2017, ressuscitadas pelo atual governo e que propõem a exploração agropecuária, arrendamento, mineração e captura de água e hidroelétricas dentro de terras indígenas.
As terras indígenas são responsáveis por proteger 27% da Amazônia brasileira e sua taxa de desmatamento é mais baixa que qualquer outra área, nos últimos 40 anos apenas 2% de desmatamento nas Terras Indígenas da Amazônia. Seu papel na proteção da natureza é chave.
Os Povos Indígenas têm direito ao etno desenvolvimento e, dentro do marco da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental, podem desenvolver planos que incluem o uso das terras indígenas para gerar renda, de maneira sustentável.
As propostas de mudança Constitucional em discussão não visam gerar renda ou bem-estar aos povos indígenas. Visam sim é colocar no mercado uma reserva de recursos naturais e terras que até então estavam protegidos. E muito bem protegidos.
Como sabemos, os empreendimentos que exploram recursos naturais de maneira intensiva e o agronegócio geram poucos benefícios e riquezas para a população locais, mas trazem muitos riscos e conflitos.
Esta é a tríade da devastação em andamento no país hoje: o esvaziamento dos órgãos de proteção ambiental, a destruição do processo de licenciamento e a captura das terras indígenas para empreendimentos e o agronegócio. Ela ainda não se tornou realidade, mas o risco é concreto.
[i] https://www.dw.com/pt-br/desmatamento-na-amaz%C3%B4nia-em-agosto-cresce-222-em-rela%C3%A7%C3%A3o-a-2018/a-50350187
[ii] https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/diretor-do-inpe-e-demitido-apos-desafiar-bolsonaro/
[iii] https://istoe.com.br/ministro-ricardo-salles-corta-24-do-orcamento-do-ibama/
[iv] https://www.brasildefato.com.br/2019/02/28/superintendente-do-ibama-que-denunciou-risco-na-barragem-em-brumadinho-foi-exonerado/
[v] https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/militares-dominam-icmbio-e-ampliam-crise-no-orgao/
[vi] https://g1.globo.com/google/amp/natureza/noticia/2019/08/16/fim-do-fundo-amazonia-pode-afetar-fiscalizacao-do-ibama-contra-o-desmatamento.ghtml
[vii] https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2019/08/licenciamento-ambiental-kataguiri/
[viii] http://midianinja.org/news/cientistas-lancam-carta-com-criticas-a-proposta-de-lei-geral-de-licenciamento-ambiental/
[ix] https://abrampa.org.br/abrampa/site/index.php?ct=conteudoEsq&id=784&modulo=NOT%C3%8DCIA
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