A desigualdade de gênero é um obstáculo para o desenvolvimento sustentável. Uma massa de mulheres em idade economicamente ativa está fora do mercado de trabalho por questões também econômicas, mas que têm suas raízes no machismo.
É o que releva o novo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) lançado em janeiro. Segundo o documento, a taxa de participação trabalhista das mulheres na América Latina está em torno de 50% (enquanto a dos homens é de 74,4%). Isso mostra que metade das mulheres da região não tem uma ligação com o mercado de trabalho.
Os países da América Latina e Caribe estão vivendo um desenvolvimento econômico cada vez menor enquanto a as desigualdades e a pobreza só aumentam. Assim, a desigualdade de gênero tem efeitos econômicos.
Desigualdade de gênero e tecnologia
O relatório da Cepal faz um destaque para a questão dos reflexos da tecnologia na desigualdade de gênero. Por terem menos acesso à educação e, historicamente, às profissões relacionadas à tecnologia, as mulheres acabam ficando fora do mercado de trabalho com o crescendo processo de automação tecnológica. Cerca de 50% das mulheres latino-americanas e caribenhas exercem funções não qualificadas, facilmente substituídas por máquinas.
Segundo dados da ONU Mulheres, as mulheres representam apenas 35% dos alunos matriculados em cursos universitários nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática em todo mundo. especificamente nas engenharias (de produção, civil e industrial) elas não chegam a 28%.
Raízes da desigualdade de gênero
Quando você pergunta a uma menina o que ela quer ser quando crescer a resposta quase sempre inclui profissões como professora, estilista ou modelo. Isso não quer dizer que os meninos também não tenham ideais masculinizados como jogador de futebol ou bombeiro, mas eles acabam optando mais por carreiras tecnológicas do que as meninas.
Mas por que há menos mulheres em carreiras ligadas à tecnologia? Essa desigualdade de gênero começa na escola e na educação infantil que reforça estereótipos de gênero. As opções dadas à meninos e meninas são completamente diferentes. Assim, meninos normalmente têm brincadeiras mais livres e imaginativas, enquanto meninas são ensinadas a se compararem como mocinhas. Mas é justamente nessa fase da vida que se pode quebrar com os paradigmas e mostrar para as crianças, e futuros adultos, que gênero não define o que a pessoa é. Os estereótipos de gênero são culturais, não biológicos.
Desigualdade de gênero destina meninas ao trabalho de cuidado
O menor interesse das meninas por matérias de exatas é algo que começa a ser construído na infância, quando as crianças passam a assimilar estereótipos de gênero. Assim, os meninos são incentivados a desenvolver suas habilidades, enquanto as meninas são levadas a acreditar que sua tarefa no mundo é cuidar da casa e da família e não pesquisar, liderar ou criar coisas.
É o que mostra nosso relatório Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. Mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado, o que corresponde a uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global. Isso dá três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
No Brasil não é diferente. Temos hoje hoje 90% do trabalho de cuidado no país feito informalmente pelas famílias. Desse total, quase 85% é feito por mulheres. Dados da PNAD confirmam essa desigualdade de gênero na divisão do trabalho de cuidar: 37% das mulheres declararam ter exercido cuidados no Brasil em 2018, enquanto 26% dos homens declararam o mesmo.
Desigualdade de gênero reflete nos salários
Além da questão do trabalho de cuidado não remunerado, as mulheres são ainda as mais afetadas pelo desemprego e recebem os menores salários.
É o que mostramos em nosso relatório País Estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras. Pela primeira vez em 23 anos houve recuo na equiparação de renda entre mulheres e homens. Elas ganhavam 72% dos rendimentos dos homens em 2016, passando para 70% no ano seguinte.
Esse dado vem na contramão de outro: no Brasil as mulheres já são maioria nas universidades. Enquanto 18% dos homens brasileiros de 25 a 34 anos têm ensino superior, essa porcentagem sobe para 25% entre as mulheres da mesma faixa etária. A informação é da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
E ao contrário do que se pode pensar, quanto maior o nível de escolaridade, maior a desigualdade salarial. Mulheres com maior nível de escolaridade recebem em média apenas 64,3% dos rendimentos de homens na mesma situação.
Assim, as mulheres trabalham e estudam mais, ganhando menos. Isso deixa evidente que o desenvolvimento sustentável só é possível com o enfrentamento da desigualdade de gênero.
Caminhos para enfrentar a desigualdade de gênero
Essa situação precisa mudar. Temos que enfrentar a desigualdade de gênero para promover o desenvolvimento sustentável.
Para tanto, governos ao redor do mundo devem agir para construir uma economia humana que seja feminista e que valorize o que realmente importa para a sociedade, em vez de promover uma busca interminável pelo lucro e pela riqueza.
Por isso, é preciso investir em sistemas nacionais de cuidado para equacionar a questão da responsabilidade desproporcional assumida pelo trabalho de mulheres e meninas. Além disso, é necessário adotar um sistema de tributação progressiva, com taxas sobre riquezas, e legislar em favor de quem cuida, são passos possíveis e cruciais a serem dados para uma mudança.
Portanto, é fundamental que as escolas comecem a replicar ações afirmativas de gênero, como a adequação de materiais didáticos que tragam mais mulheres como exemplos e fontes de conhecimento.
As empresas também têm responsabilidades para levar mais mulheres a se interessar por carreiras de tecnologia motivando o estudo nessas áreas. Um mercado de trabalho menos desigualdade de gênero é bom para a economia. Segundo a ONU Mulheres, se elas ocupassem o mesmo papel que os homens nos mercados, haveria um acréscimo de 28 trilhões de dólares na economia mundial até 2025 – ou 26% do PIB global.