A globalização nos séculos 20 e 21 levou as empresas a atuarem em múltiplos países e regiões. Com isso, instituições multilaterais como a OCDE (Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico) passaram a criar instrumentos para padronizar a conduta responsável das empresas em diferentes jurisdições.
A OCDE foi originalmente criada para a recuperação da Europa após a Segunda Guerra Mundial, mas se transformou em um bloco de cooperação política e econômica.
Com o tempo, outros países, mesmo fora da Europa, se tornaram membros desse do bloco. O Brasil é um aliado estratégico da OCDE, e o país não-membro com maior participação e assinatura de suas convenções. Outros países como África do Sul, Índia e China também são parceiros estratégicos.
Diretrizes da OCDE
A OCDE criou suas diretrizes em 1976 e, desde então, vem organizando revisões para refletir as mudanças na sociedade sobre a expectativa do que deveria ser um comportamento responsável das empresas. As Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais são orientações de caráter voluntário. O Brasil é signatário e isso significa que o país deve promovê-las e também criar uma estrutura para monitorar seu cumprimento, além de mediar conflitos entre as empresas multinacionais e partes interessadas que alegam o não cumprimento das diretrizes. Após publicação dos Princípios da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, em 2011, as diretrizes foram revistas e se alinharam aos Princípios da ONU.
Entre 2022 e 2023 foi feita uma nova revisão das diretrizes da OCDE. O processo contou com consultas à sociedade civil e uma análise sobre o atual cenário mundial de empresas e direitos humanos, resultando na inclusão de novas diretrizes e a mudança do nome para “Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais sobre Conduta Empresarial Responsável”. Segundo a análise da rede OECD Watch, essas mudanças foram positivas.
Entre as principais atualizações das diretrizes da OCDE, destacamos três pontos:
1 – Envolvimento significativo de partes interessadas: As Diretrizes instam as empresas a se envolver significativamente com todas as partes interessadas – principalmente as afetadas – no que diz respeito às atividades comerciais que podem causar impacto. O envolvimento deve ser feito em uma via de mão dupla, conduzido de boa-fé, em atendimento às visões das partes interessadas, em tempo oportuno, ser acessível, adequado, seguro e adaptado de modo a remover as barreiras à participação.
Nosso comentário:
No atual cenário brasileiro, essa é uma importante diretriz no que diz respeito à consulta das partes interessadas, principalmente num momento em que o Brasil está discutindo o PL 2159/2021 – O Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental. O atual PL tende a enfraquecer a possibilidade de partes interessadas em avaliar e participarem de audiências e de consultas públicas, como já indicamos em texto anterior publicado aqui no blog (Licenciando o atraso). O enfraquecimento desse mecanismo, além de inviabilizar a participação de povos e comunidades tradicionais e indígenas, também contraria acordos e tratados que o Brasil já assinou, como a Convenção nª 169 da OIT.
2 – Respeito aos direitos de todas as pessoas trabalhadoras em sua cadeia de valor: As Diretrizes instam as empresas a respeitar os direitos de todas as pessoas trabalhadoras em suas cadeias de valor, e não apenas dos funcionários da empresa, incluindo o direito de participar de sindicatos e de negociações coletivas.
Nosso comentário:
O novo texto propicia um avanço na proteção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais que estão no Brasil, atuando na base de cadeias produtivas que alimentam empresas dos países membros e signatários.
No setor de alimentos e bebidas, diversas empresas no mundo utilizam insumos do Brasil.
Tal mudança tem o potencial para contribuir para a luta contra os frequentes casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil.
3 – Fortalecimento da orientação sobre devida diligência em toda a cadeia de valor: As Diretrizes agora aprofundam a devida diligência em CER, por meio da menção ao processo de devida diligência em seis etapas, da abrangência dos impactos presentes do início ao fim da cadeia de valor (incluindo aqueles causados por usuários pessoa física) e de uma explicação mais direta referente às expectativas depositadas sobre as empresas para o exercício da influência sobre os relacionamentos comerciais.
Nosso comentário:
Esse fortalecimento das orientações sobre devida diligência:
- Respeita os direitos humanos, buscando não infringir os direitos daqueles e daquelas que devem tê-los resguardados, bem como outras pessoas que podem sofrer impactos negativos por estarem envolvidos nas atividades das empresas;
- Evita, dentro do contexto de outras operações e atividades, causar ou contribuir com violações e impactos de direitos humanos;
- Busca formas de prevenir ou mitigar impactos adversos aos direitos humanos que estejam diretamente ligados às operações comerciais, produtos ou serviços, por meio de uma relação comercial, mesmo que não contribuam com esses impactos;
- Dá publicidade e disponibiliza políticas e compromissos de respeito aos direitos humanos;
- Conduz a devida diligência em direitos de forma apropriada para seus tamanhos, natureza e contexto de operação, e também em relação à seriedade dos riscos e impactos de violações de direitos humanos;
- Fornece ou coopera, por meio de processos legítimos, com a remediação de direitos humanos em situações de impactos adversos identificados.
Responsabilização das empresas
Essas ações são passos importantes para a responsabilização das empresas em suas atividades e ações nas cadeias produtivas. Ao seguir essas novas diretrizes, os Estados signatários irão criar um arcabouço maior e mais robusto para que os países busquem implementar essas novas diretrizes com seriedade, além de cobrar um comportamento responsável das empresas, possibilitando a atração de mais financiamentos, uma vez que a segurança aumenta e o risco diminui.
Por mais que as Diretrizes da OCDE tragam grandes benefícios para os Estados-membros e seus signatários, é importante ressaltar que elas por si só não são suficientes, por terem um caráter não-vinculante e não-obrigatório – as empresas podem ou não adotar tais diretrizes.
No contexto atual, países estão criando suas próprias leis de devida diligência em direitos humanos. França e Alemanha já têm suas próprias leis, e está em discussão uma legislação europeia (Lei de Devida Diligência na União Europeia: onde estamos e para onde vamos?) que, se aprovada, obrigará os demais países do bloco europeu a criarem leis similares. Se essas novas leis forem baseadas na nova versão das diretrizes da OCDE, poderão promover responsabilizações maiores das empresas em suas cadeias produtivas na Europa, e colaborar para que haja reduções de violações de direitos humanos em outros países como os da América Latina.
No Brasil, há um projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados (PL 572/2022), que cria um Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas. A proposta é interessante e tem como premissa a centralidade da vítima que sofreu as violações, gerando assim uma maior responsabilização das empresas envolvidas.