Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O Brasil começa o mês de outubro de 2020 com 146.773 mortes por covid-19 e uma estimativa de quase 5 milhões de infectados. A extensão do impacto da pandemia ainda não consegue ser calculada, porém, já é possível dizer sem medo de errar quais grupos sociais foram os mais impactados.
A covid-19 evidenciou as desigualdades sociais e econômicas no Brasil e no mundo. Por aqui, a falta de políticas públicas e de acesso a serviços básicos, como saneamento e saúde, agravou a situação dos mais pobres.
No país, mais de 13 milhões de pessoas vivem em comunidades sem saneamento básico, postos de saúde e mobilidade urbana adequados. Essa realidade torna-se ainda mais impactante quando pensamos que milhões de pessoas vivem sem as mínimas condições de isolamento social, higiene e alimentação.
Desemprego atinge principalmente as mulheres negras
Muitas trabalhadoras e trabalhadores continuaram circulando pelas cidades, já que suas funções não podiam ser feitas de casa. São milhares de pessoas empregadas como babás, domésticas, motoristas, profissionais da linha de frente da saúde, etc. Ou trabalhavam, ou eram demitidos. Essa grande parcela da população é composta, sobretudo, por mulheres negras, que mesmo antes da pandemia já reunia os piores índices quando o assunto é direitos humanos.
Segundo o IBGE, a diferença entre a taxa de desemprego entre brancos e pretos atingiu o pior nível desde 2012. Enquanto o índice para pretos está em 17,8% e para pardos, 15,4%, a taxa para brancos fica em 10,4%. Isso se deve à pandemia que atingiu principalmente as atividades com maior participação da população negra e parda: comércio, trabalho doméstico, serviços e construção civil. O impacto também foi grande no setor informal, que é composto majoritariamente por pessoas negras.
Entretanto, o economista e ex-ministro Marcelo Neri afirma que o impacto é maior do que apenas as taxas de desemprego. O número de horas trabalhadas, renda e taxa de participação no mercado também caíram mais para negros. Essas diferenças acumuladas aumentam o número de pessoas em situação de pobreza e miséria.
Apesar de insuficientes, segundo o economista, medidas como a adoção do auxílio emergencial contribuíram para segurar o desemprego. Sem elas, a taxa seria ainda maior, atingindo 22%. A maior preocupação, neste momento, é a perspectiva do fim do auxílio emergencial que aprofundará ainda mais a crise que a população negra está vivenciando .
Classe, mulheres negras e pandemia
O desemprego causado pela pandemia trouxe marcas mais profundas para a população negra e periférica, que historicamente sempre teve menos acesso aos postos de saúde, ao saneamento, às moradias dignas e às oportunidades de emprego. Com a chegada da covid-19, essa desigualdade ficou mais acentuada.
Além de terem menos espaço no mercado de trabalho, as mulheres enfrentam ainda outro problema: a dupla jornada. Durante a pandemia, as mulheres que mantiveram seus empregos se viram às voltas com questões extras de educação, lazer e entretenimento dos filhos, que passaram a ficar em casa com o fechamento das escolas.
Segundo pesquisa divulgada pela Gênero e Número, 41% das mulheres que mantiveram seus trabalhos durante a pandemia afirmaram que passaram a trabalhar ainda mais agora.
Exclusão social e racismo
A professora Rafaella Florencio lembra que a primeira vítima da covid-19 no Brasil foi uma mulher negra, empregada doméstica de meia idade. O elevado número de mortes de pessoas negras e, especialmente mulheres negras, é uma evidente consequência do processo histórico de exclusão social e racismo que o país tem.
Esse cenário provoca danos extras à população negra brasileira. Ela tem maior probabilidade de desenvolver quadros de hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares e, portanto, fica mais ameaçada pelo coronavírus do que a população branca, que tem melhores empregos, salários e histórico alimentar.
Além disso, o número de casos de violência doméstica aumentou em todo o Brasil. Apesar da subnotificação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) registrou aumento de 50% no número de denúncias. Segundo Nilza Iraci, coordenadora do Geledés, a pandemia mostrou a realidade que as mulheres negras se deparam diariamente com uma série de vulnerabilidades, racismo e machismo.
Luta contra as desigualdades
Apesar do atual cenário, muitas mulheres negras se juntaram e desenvolveram iniciativas para ajudar outras mulheres durante a pandemia.
Em Pernambuco, foi desenvolvido um trabalho de comunicação com bicicletas munidas de caixas de som que anunciam mensagens de mulheres líderes em suas comunidades. Os dados epidemiológicos estão sendo divulgados por meio de um sistema de cores e um boletim de ocorrência para violência doméstica online foi elaborado e divulgado.
Pensando no período de pós-pandemia, diversos grupos de mulheres se reúnem, ainda que virtualmente, para debater as novas formas de promover e criar políticas públicas, incluindo indígenas, LGBTS, mulheres, idosos e jovens para este processo. Estamos prestes a ter novas eleições e este ano tivemos recorde de mulheres candidatas e mais negros do que brancos.
Apesar de serem a maioria da população brasileira, as mulheres negras são apenas 2% do Congresso Nacional e menos de 1% na Câmara dos Deputados segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
O relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade“, mostra que essa é uma questão mundial: em todo o mundo, as mulheres representam apenas 25% dos parlamentares eleitos.
Para mostrar a importância da representatividade negra e indígena na política, a Oxfam Brasil, o Instituto Marielle Franco e o Instituto Afrolatinas estão promovendo o evento “Eleições 2020: o debate que queremos”, com candidatas negras e indígenas às câmaras municipais brasileiras. Os debates com as candidatas serão transmitidos pelo canal do Instituto Marielle Franco no Youtube.