por Maria Nice Machado Costa
O Dia Internacional das Mulheres é uma data de homenagens, mas pouco se fala das mulheres anônimas que têm feito a diferença em suas comunidades, proteção das águas e florestas. Sou Maria Nice Machado Costa, mais conhecida como Dona Nice, mulher negra, quilombola, quebradeira de coco babaçu e convivo com centenas de mulheres na luta pelos direitos dos povos quilombolas e pela proteção, preservação e conservação das florestas, rios e lagos.
A bandeira dessa luta nos é apresentada enquanto legado, herança de outras tantas mulheres, como Maria de Jesus Bringelo, Dona Dijé, que morreu em 2018, aos 70 anos, e com uma biografia parecida com a minha: negra, quilombola, quebradeira de coco babaçu e uma das fundadoras do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão.
Mulheres lideram diversas comunidades quilombolas e de povos e comunidades tradicionais no Brasil e, atualmente, também podem ser reconhecidas como ativistas, defensoras das florestas. Elas têm um papel central nas práticas de manejo e defesa dos seus territórios. Nós, quebradeiras de coco babaçu, por exemplo, atuamos pela preservação dos babaçuais e manutenção dos modos de vida quilombola. O extrativismo vegetal é indispensável na cultura do babaçu, um fruto nativo que depende da floresta em pé e sua rica biodiversidade, de fundamental importância também na estabilidade climática do planeta.
Infelizmente, as mulheres, especialmente as mulheres não brancas, ficam de fora do debate para influenciar os processos de tomada de decisão sobre os recursos naturais e não são vistas adequadamente na luta pela terra. No entanto, são as mulheres camponesas, indígenas, quilombolas, coletoras de babaçu, catadoras de borracha, coletoras de marisco e extrativistas que atuam na linha da frente, fechando as fileiras da defesa dos direitos das comunidades.
Para as comunidades rurais e os povos da floresta, o acesso à terra tem significados que vão desde o material, bem-estar, renda e soberania alimentar, até mesmo significados de pertencimento cultural, religioso e cosmológico. Terra, água, florestas e cultivos não são apenas insumos. A luta pela terra, pelos recursos naturais e contra as alterações climáticas, é a luta pela nossa própria existência.
Ainda assim, mesmo nos casos em que os direitos da terra são assegurados, as mulheres são comumente excluídas da propriedade e da legalidade; onde o direito coletivo à terra é reconhecido, a governança é concentrada nos homens. Quando o governo ou as empresas procuram envolver as comunidades para discutir potenciais impactos, as negociações tendem a excluir as mulheres.
Nesse cenário, a Oxfam Brasil é uma aliada na luta pela justiça no acesso aos recursos naturais, à justiça climática e à justiça de gênero no contexto da Campanha Climática Colaborativa para Justiça Econômica e Direitos Comunitários, juntamente com as organizações parceiras Miqcb (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) e Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos). O projeto envolve mulheres não brancas na linha de frente da defesa dos direitos dos povos e das comunidades tradicionais, e um dos pontos trabalhados é a comunicação estratégica e inovadora para aumentar a influência, o poder e a visibilidade dessas mulheres e suas comunidades.
Para se ter uma ideia da importância da mulher dentro das comunidades tradicionais, elas são as principais responsáveis pela preservação das sementes e da grande variedade de espécies alimentícias e medicinais cultivadas. Além das roças que cultivam, seus quintais são fontes complementares de alimentação e de medicamentos naturais.
Mulheres também são as principais responsáveis pelo cuidado com as crianças e com os mais velhos “anciões”, que transmitem conhecimentos essenciais para o futuro, para o desenvolvimento de diferentes práticas de cultivo e, é claro, para o cuidado das nossas florestas. Por isso, pode-se afirmar, sem dúvidas, que onde tem mulher, tem resistência, sonhos, esperanças e floresta em pé.