A pandemia de coronavírus reforça as desigualdades da população mais vulnerável do Brasil e exige ações imediatas para reforçar a proteção social a esses grupos que serão mais impactados. Por isso, é preciso pensar em ações efetivas para impedir que a pandemia piore as condições de vida de milhões de brasileiros.
O Brasil é um dos países mais desiguais no mundo e neste contexto de pandemia, as diferenças de acesso dos brasileiros à proteção social, serviços públicos de saúde e trabalho que possibilite a geração de renda ficam ainda mais evidentes.
Como disse a jornalista Flavia Oliveira em uma live sobre os caminhos possíveis no pós-coronavírus, o vírus escancarou e exacerbou desigualdades históricas do Brasil. Isso porque a falta de serviços públicos básicos na vida dos mais pobres é um problema de longa data no Brasil. Mas nunca foi devidamente levada em consideração pelo Estado.
São Paulo é o epicentro da pandemia no país
Segundo os números oficiais do Ministério da Saúde, já são mais de 70 mil casos confirmados no país e mais de 5.000 mortes. O estado de São Paulo é o epicentro da pandemia com mais de 22 mil casos e mais de 2 mil mortes.
Porém, sabe-se que os números reais devem ser ainda piores. Entre os países com mais casos de coronavírus o Brasil é o que menos consegue fazer testes e, por isso, há subnotificação de infectados e falecimentos em decorrência do coronavírus.
Ainda assim, houve uma explosão de hospitalizações por insuficiência respiratória grave (SRAG). De 15 a 21 de março, foram mais de 8 mil internações, contra cerca de 1 mil no mesmo período do ano passado. Desse total, apenas 780 tiveram resultado positivo para covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde.
Isolamento para quem?
As principais medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para conter o avanço do coronavírus são o isolamento social e a higiene constante das mãos, com água e sabão. No entanto, algo que a princípio parece tão simples, é quase impossível para a população mais vulnerável. É, portanto, mais um exemplo de como o coronavírus reforça desigualdades no Brasil.
Segundo dados do último Censo do IBGE, 6% da população brasileira moram em favelas. Ou seja, mais de 11 milhões de cidadãos vivem em condições precárias, espaços apertados com muitos moradores, mal ventilados e sem acesso à saneamento básico.
Pandemia de coronavírus reforça as desigualdades brasileiras
O Instituto Trata Brasil estima que 35 milhões de brasileiros não têm serviço de abastecimento de água e quase 100 milhões não têm acesso à esgoto. Por isso, estão mais vulneráveis à contaminação por coronavírus.
A situação é ainda pior para quem não tem moradia. Segundo o Censo produzido pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), a população em situação de rua aumentou mais de 50% entre 2015 e 2019 na cidade de São Paulo. O número passou de 15.905 para 24.344.
Essas milhares de pessoas estão expostas a doenças, com pouco acesso à serviços de saúde e não têm a possibilidade do isolamento social ou meios de higienizar as mãos. Além disso, com o comércio fechado e as ruas vazias, as pessoas em situação de rua acabam tendo menos recursos para se alimentar.
E quem precisa sair para trabalhar?
O Brasil tem cerca de 40 milhões de trabalhadores sem carteira assinada e cerca de 12 milhões de desempregados. Estima-se que a crise econômica provocada pelo coronavírus adicione, ao menos, mais 2,5 milhões de pessoas entre os desempregados. É, portanto, um cenário ideal para uma crise sem precedentes no país.
Dados da PNAD Contínua do IBGE mostram que entre a população com algum tipo de ocupação o número de informais chega a 41,3%, o maior número registrado desde 2012. São cerca de 38 milhões de brasileiros que com as medidas de isolamento social ficam sem renda.
O que se percebe é que com o tempo as taxas de isolamento social vêm caindo porque, muito provavelmente, as pessoas, por necessidade, estão voltando ao trabalho. Em são Paulo, por exemplo, dados do Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi-SP) do estado mostram nas últimas semanas taxas inferiores a 50%, muito longe da meta de 70%.
A Renda Básica Emergencial de R$ 600,00 aprovada pelo Congresso Nacional e Presidência da República é uma primeira ação para minimizar esse impacto, mas está longe de ser suficiente.
Coronavírus e a desigualdade na saúde
É óbvio que a parcela mais rica da população tem acesso à serviços de saúde privada enquanto a maioria depende do serviço público, enfrentando filas, hospitais lotados e de estrutura limitada.
O SUS atende a 80% da população brasileira, aproximadamente 150 milhões de pessoas. Um estudo realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Ibope mostrou que 70% dos brasileiros não têm plano de saúde particular.
A cidade de São Paulo é um exemplo cruel de como a desigualdade na saúde opera, ainda mais em um contexto de pandemia de coronavírus. Apesar de bairros de periferia como Marsilac, Parelheiros e Cidade Tiradentes estarem com taxas de isolamento social entre 60 e 70%, as mais altas da cidade, é na periferia que estão concentradas a maioria das mortes.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, das 686 mortes ocorridas na cidade até o dia 18 de abril desse ano, 51 foram na Brasilândia, 48 em Sapopemba, seguidos por São Mateus e Cidade Tiradentes.
Solidariedade é o caminho
O poder público tem papel fundamental no enfrentamento das desigualdades ampliadas com a pandemia de coronavírus. É preciso ampliar o número de pessoas atendidas pela renda básica emergencial, garantir agilidade nos pagamentos, estender o período de concessão da renda e fazer o movimento para avançar em uma Renda Básica Cidadã, agenda pendente no Brasil há décadas.
Também é necessário investimentos maiores na saúde pública e, nesse sentido, a taxação de grandes fortunas pode ser um importante meio de recursos tão importantes nesse momento.
Mas, para além das políticas públicas, o que se viu crescer também durante essa pandemia de coronavírus foi a solidariedade. Por todo o país se multiplicam as ações para doação de alimentos e recursos para a população mais vulnerável.
O que se espera é que esse sentimento de união perdure após a crise causada por um vírus que não distingue classe social, mas que tem efeitos diferentes em um país tão desigual. O coronavírus reforça desigualdades mas pode também criar um senso de solidariedade e atenção aos mais vulneráveis como nunca ocorreu no Brasil.