Lançado no último dia 13/01/21, nosso relatório Por Trás das Suas Compras não trouxe boas notícias sobre a responsabilidade corporativa e o comprometimento dos maiores supermercados do país em relação aos direitos humanos e qualidade de vida daqueles que plantam e colhem nossos alimentos. Os supermercados Pão de Açúcar, Big e Carrefour foram avaliados em quatro temas e pontuaram mal em todos.
O relatório faz parte de uma campanha que começou em 2019 e, além de cobrar dos maiores supermercados do Brasil um posicionamento em relação aos direitos humanos em suas cadeias de fornecimento, tem a intenção de estabelecer hábitos e parâmetros saudáveis e sustentáveis para o setor.
Para que fosse possível fazer avaliações pragmáticas e úteis, 4 critérios foram escolhidos: transparência e accountability, trabalhadores e trabalhadoras no campo, pequenos agricultores e agricultura familiar, e direitos das mulheres. Todos os resultados foram tabelados em um sistema de pontuação (scorecard).
Carrefour, grupo Big e Pão de Açúcar alcançaram média de 4% numa escala em que uma empresa totalmente responsável com direitos humanos nas cadeias de fornecimento ganharia 100%.
De acordo com Gustavo Ferroni, coordenador da área de Setor Privado, Desigualdades e Direitos Humanos da Oxfam Brasil, “a comparação dos maiores supermercados brasileiros com seus pares no mundo mostra que eles precisam fazer mais. Ainda estão muito distantes das melhores práticas sobre responsabilidade com direitos humanos nas cadeias de fornecimento”.
Responsabilidade corporativa: os maiores supermercados do país podem proteger trabalhadores rurais
A boa notícia, segundo Gustavo Ferroni, é que os maiores supermercados brasileiros têm os recursos, as condições e a capacidade para estarem entre os mais avançados do mundo. “Só falta a decisão empresarial de fazer.”
Essas grandes empresas têm poder e estrutura suficientes para pressionar seus fornecedores a oferecerem mais segurança e qualidade de vida para quem produz o que comemos. É necessário que elas reforcem suas preocupações com as condições de vida, saúde, higiene e trabalho dos trabalhadores rurais com os grandes produtores.
Como a pandemia tem afetado a vida de quem trabalha e vive em áreas rurais?
Quando avaliamos as condições de trabalho de quem planta e colhe nossos alimentos, é impossível não pensar em como está a realidade dessas pessoas diante da pandemia da COVID-19, que assola o mundo inteiro.
A realidade de quem trabalha com a terra, apesar de ser menos exposta do que a dos trabalhadores e moradores das grandes cidades, também foi profundamente afetada pela pandemia.
A perda de meios de subsistência para agricultores familiares, acarretada pela crise sanitária, assim como a interrupção ou diminuição da produção de muitas cadeias de alimentos devido às medidas que tentam conter o coronavírus, causam e causarão um impacto maior para trabalhadoras e trabalhadores rurais. Principalmente aqueles que têm trabalho temporário (os chamados “safristas”).
Isso nos leva a outra questão ligada à responsabilidade corporativa dos maiores supermercados do Brasil: as pessoas que contribuem para as cadeias produtivas estão devidamente equipadas para se protegerem do coronavírus enquanto executam suas funções?
Essa também é uma obrigação das empresas que lucram com a venda do que é plantado e colhido por esses cidadãos. Uma vez contaminados, a falta de estrutura de saúde pública faz o cenário se tornar ainda mais assustador.
É nossa obrigação pensar na saúde dos trabalhadores rurais
Uma reportagem do portal Brasil de Fato de 28 de março, início da pandemia, avaliou como estava a vida dos trabalhadores rurais. Débora Nunes, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mostrou como os trabalhadores rurais eram vitais para a economia brasileira e a vida das pessoas dos grandes centros urbanos.
“As pessoas na cidade podem estar em casa, mas elas precisam comer. Precisa chegar o alimento. Quem tem condições de produzir isso? São os camponeses e camponesas. A história já mostrou que nosso país tem dois modelos. Um é o modelo do agronegócio, que é um modelo empresarial, que não produz alimento, não distribui renda e não preserva o meio ambiente. Nós temos do outro lado a pequena agricultura, que é a agricultura que produz o alimento, que está preocupada com a preservação, que está preocupada com a não contaminação do solo, nossas águas, nosso lençol freático. Nós poderíamos estar cumprindo esse papel em condições melhores.”
O cenário alarmante não é uma exclusividade dos trabalhadores rurais brasileiros
A Oxfam Brasil recebeu diferentes relatórios de organizações parceiras sobre a realidade vivida por trabalhadores rurais nas cadeias globais de fornecimento de alimentos. As informações são importantes e merecem ser expostas.
Uma organização parceira na Índia informou que, em muitas plantações de chá da cidade de Assam, há problemas de cooperação entre o gerenciamento das plantações e a autoridade de saúde local. Com isso, os trabalhadores não conseguem informações das autoridades sanitárias sobre a proteção adequada contra o coronavírus durante o horário de trabalho.
Já na África do Sul, a falta de renda fixa tem afetado principalmente a vida das mulheres nas fazendas, elevando até a violência de gênero. A maioria das intervenções e medidas anunciadas pelo governo sul-africano não leva em consideração as especificidades das condições de vida e de trabalho rural do país. A exposição prolongada a pesticidas, por exemplo, deixa os trabalhadores rurais mais vulneráveis ao coronavírus. Isso porque o veneno contamina os pulmões e a doença ataca justamente o sistema respiratório.
No Equador, a vulnerabilidade atinge principalmente trabalhadores nas plantações de banana. Os pulmões desses trabalhadores são frequentemente contaminados por pesticidas. Uma das sugestões feitas por organizações parceiras da Oxfam no país era que os supermercados pagassem para financiar medidas de proteção aos trabalhadores.
É possível mudar o curso dessa história e você pode nos ajudar
As histórias se repetem por todo o mundo: os trabalhadores e trabalhadoras rurais que plantam e colhem nossos alimentos são mal remunerados, enfrentam pesadas cargas de trabalho, não têm estabilidade no trabalho, estão sob risco constante de contaminação por agrotóxicos e seus direitos são frequentemente desrespeitados — principalmente os das mulheres.
No Brasil, lançamos uma campanha exigindo dos três maiores supermercados — Pão de Açúcar, grupo Big e Carrefour — que atuassem de maneira mais incisiva para garantir que suas cadeias de fornecimento dessem mais condições aos trabalhadores e trabalhadoras rurais uma vida mais digna.
Mais de 75 mil pessoas já se juntaram a esse movimento de transformação e assinaram nossa petição. Até agora, o Pão de Açúcar, grupo Big e Carrefour não fizeram a sua parte. Você ainda pode fazer a sua. Assine a petição!