Conte um pouco sobre sua história
Eu nasci numa comunidade chamada trovão no Rio Itu, que pertence a uma aldeia chamada Dari, que também tem o nome de Barreira ou Baturité em português. Fica na região do Rio Negro, no território do Município de Barcelos. Minha formação se dá principalmente no Rio Negro, Amazonas, lugar onde nasci e vivi a maior parte da minha vida. Meus estudos na aldeia sempre foram pela escola não indígena. Não tive educação em escola baniwa nem em escola indígena. A escola indígena na região só começa a partir do final dos anos 1990, início dos anos 2000, numa época em que eu já estava indo para a faculdade. Não tive educação indígena nem baniwa nesse sentido escolar, somente a educação do cotidiano, do dia a dia mesmo.
Minha vida foi dedicada ao Movimento Indígena Amazônico, que foi minha escola política e de luta. Ser artista nunca foi uma busca minha, isto aconteceu de forma acidental quando fui convidado para fazer parte de uma exposição em 2016 chamada Dja Guata Porã – O Rio de Janeiro Indígena. Neste momento tive a chance de ver como a arte poderia ser aliada no meu trabalho como parte da luta indígena por direitos e garantias de sobrevivência ao mesmo tempo que poderia ser uma voz para abrir diálogo com os não-indígenas.
Como você vê as desigualdades brasileiras?
Eu vejo as desigualdades brasileiras como um reflexo da própria construção do território brasileito, um reflexo de como o país foi construído , social, politicamente e economicamente. Acho que também é um reflexo de como que a sociedade foi construída, porque desde sempre a gente vê pelos livros de história, pelos documentos, que já havia todo um sistema de corrupção e de lavagem de dinheiro em casa de ouro e a que essas pessoas foram enriquecendo ao longo desses anos até chegar nesse momento em que temos bastante herdeiros dessa colonização que continuam sendo muito ricos enquanto tem muita gente paupérrima. Só consigo pensar que essas diferenças e desigualdades são reflexo da construção do país e infelizmente é quase impossível uma mudança real acontecer mas por outro lado nós como não herdeiros, podemos nos juntar e nos fortalecer de alguma maneira. Responder a essas construção colonial enquanto uma unidade um grupo de resistência de auto ajuda, auto cuidado e de coletividade.
Fale sobre sua obra que está no calendário Oxfam Brasil 2022.
Na obra Natureza morta, eu apresento a vista aérea da floresta amazônica, que normalmente é instrumentalizada como prova visual do desmatamento galopante da área. Numa inversão do sentido primeiro desta imagem, a vista área das manchas do desmatamento eu manipulei para representar a forma de corpos ameaçados, como a de um corpo indígena. A marcação da ausência aufere aqui um sentido duplo e dinâmico: a ameaça aos modos de existir indígenas liga-se à biodiversidade em/com que co-habitam. Assim, a vista aérea de manchas da terra descoberta assalta e consome a visão do verde, e é neste entrelaçamento que surge a miração de um corpo indígena na mata. A visão extrativa é a visão de uma “natureza morta”.
O sobrevoo da terra é matéria do regresso e da memória. A vista aérea é instrumentalizada como marca de apagamento e violência onde coincidem história natural e história indígena, pois afinal a história dos corpos indígenas é baseada no apagamento de um modo de viver “imerso” na terra. Por outras palavras, a vista aérea é prova de um regresso à pele da terra onde se inscrevem os traços do apagamento.