Conte um pouco sobre sua história.
Sou Letícia Carvalho, pernambucana, moradora de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife. Sou estudante de Licenciatura em Artes Visuais pela UFPE, tenho 23 anos e desenhar é algo que faz parte da minha vida desde pequena. Meus pais sempre me incentivaram a me expressar dessa maneira. No desenho, eu consigo “tirar fotos” de momentos que nunca existiram, valorizar belezas estigmatizadas, registrar o que passou despercebido, e quando eu era pequena, me ajudava a resumir as enormes estórias que eu tinha pra contar pra minha mãe enquanto ela tentava se concentrar em seu trabalho como costureira, além de me fazer ficar quietinha e concentrada em uma atividade o dia todo. Então era ótimo para todos (risos). Desde 2013, quando comecei a me relacionar com o movimento negro, passei a entender meu desenho como uma importante ferramenta de representatividade e denúncia. Hoje em dia, sou mãe de uma menina de 1 ano e vejo nos meus desenhos a possibilidade de falar sobre questões da maternidade (negra e periférica) que vivo e que muitas vezes são omitidas por uma “romantização” que existe a respeito dessa vivência.
Como você vê as desigualdades brasileiras?
Enquanto mulher negra, mãe e periférica, sinto demais as desigualdades. É uma estrutura perversa e muito bem arquitetada que nos adoece e nos coloca uns contra os outros, enquanto fazemos quem tem poder ter cada vez mais poder, tendo que engolir uma ideia de “meritocracia” que não existe. É muito difícil sobreviver e quebrar essa lógica, tendo que ser muitas vezes melhor para alcançar coisas básicas que pessoas privilegiadas socialmente já trazem de berço nesse país de herdeiros. Infelizmente vejo todos os dias as desigualdades matando potências nas periferias.
Fale um pouco sobre o seu desenho no calendário Oxfam Brasil 2021.
Meu desenho fala sobre as diversas demandas que a mulher que é mãe enfrenta para estudar, trabalhar, lidar com tarefas domésticas, cuidar dos filhos. Além de muitas vezes não ser reconhecida por isso, ainda é cobrada pela sociedade a estar no mesmo pé de igualdade de quem não tem as mesmas demandas ou que não assume essas demandas por conta da distribuição opressora de papéis de gênero. Além disso, temos as desigualdades de raça e classe, que nos obrigam a assumir multitarefas para garantir a nossa sobrevivência e de nossa família.