O Brasil não exporta só commodities, mas também leva a países vizinhos o próprio sistema de agronegócio e todas as suas contradições, como a concentração de terras, a monocultura e o uso de agrotóxicos, a ponto de dominar os mercados locais em nações como a Bolívia e o Paraguai. Este quadro foi traçado na sessão “Expansão do Agronegócio Brasileiro e suas Cadeias Associadas”, a terceira do Seminário Empresas e Investimentos Brasileiros no Exterior, organizado pela Oxfam Brasil em parceria com a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), na tarde de quinta-feira, 22 de junho.
O modelo de negócio não é propriamente novo, foi copiado do sistema americano. “O Brasil foi um intermediário da tecnologia dos Estados Unidos”, afirmou Sergio Schlesinger, economista e consultor da FASE. Isso porque, no caso brasileiro, apenas 30% do PIB do agronegócio está ligado à produção de alimentos. O resto é abocanhado por empresas multinacionais da cadeia produtiva, que atuam no setor de insumos, indústria e distribuição. “Esse dinheiro não fica no campo e geralmente nem no país”, completou ele.
Invasão do agronegócio
O Brasil é o primeiro exportador de carne, soja e frango do mundo e essa pujança alimenta o expansionismo do setor. De 1994 a 2007 a participação de fazendeiros brasileiros subiu de 19,6% para 40,3% na Bolívia, contou o economista. Os efeitos dessa mudança não foram desprezíveis: por pressão da burguesia agrária separatista, em 2008 a constituição foi alterada para alterar o próprio estatuto fundiário do país. “As únicas terras sociais hoje são os territórios indígenas”, lamentou Silvia Molina, engenheira civil e pesquisadora do Cedla (Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário da Bolívia).
“Não houve socialização da terra porque não há socialização do Capital. A cada dia somos mais importadores de alimentos porque estamos produzindo soja. A expansão da produção para a região oriental está acabando com os cultivos tradicionais andinos e as políticas agrárias são tocadas pelas classes dominantes, que subjugaram movimento camponês. Hoje os camponeses hoje são trabalhadores submetidos ao capital, com aprofundamento do extrativismo, violação de direitos, flexibilização das normas, judicialização dos protestos, repressão, violência estatal”, contou ela”.
No caso do Paraguai a intervenção brasileira na produção de soja é bem maior. Segundo Sergio Schlesinger, da FASE, 80% da soja produzida no Paraguai é de fazendeiros brasileiros, resultado de um processo violento de tomada de terra que ganhou contornos ainda mais insidiosos. “Todos os estados fronteiriços paraguaios estão sob controle de brasileiros. Em algumas escolas o hino nacional que se canta é o do Brasil”, disse Inés Franceschelli, coordenadora da plataforma Ñamoseke Monsanto e parte da Global Forest Coalition.
“O que nós paraguaios vemos é que durante esse processo de expansionismo brasileiro, que vem desde o Tratado de Tordesilhas, vamos perdendo a nacionalidade. Este desafio não é um problema de geopolítica. É um problema de classe, de controle hegemônico do nosso território e da nossa força de trabalho”, lamentou.
Avaliando a luta
Luiz Zarref, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), explica a situação pela mudança no modelo de desenvolvimento internacional do trabalho, que aprofundou o papel da América Latina e da África como produtores de commodities. “No momento do boom das commodities nós que pensávamos reforma agrária e agricultura familiar fomos derrotados pelo agronegócio. O que nós acumulamos até aqui não é suficiente pra derrotar o agronegócio, nós precisamos de mais”, avaliou ele.
“Temos que construir convergências. E elas precisam envolver os setores agrários, do meio ambiente e de direitos humanos. Manter e reforçar a luta direta com o agronegócio e fazer trabalho de base. É fundamental o estudo, mas se isso não chegar no dia a dia do povo, que está sendo cooptado por outros trabalhos de base, não adianta. E chegar nos trabalhadores urbanos. E a chave para isso é a saúde e soberania alimentares. E nós temos as condições de construir uma nova aliança entre os povos do campo, floresta, águas e o povo trabalhador das cidades”, apostou Zarref.
Esta foi parte da experiência de Alexandre Galimbert, na Oxfam dos Estados Unidos, que narrou as campanhas corporativas da entidade para pressionar a indústria avícola de lá a adotar melhores práticas, a partir de diversos tipos de pressão. Enfrentando uma situação de grande concentração de capital, onde quatro empresas controlam 60% do mercado e onde o salário médio do trabalhador é o mínimo em muitos estados, a aposta foi investir em campanhas para os funcionários e para os consumidores. Uma delas expôs o fato de que os trabalhadores das linhas de produção de uma das maiores empresas não tinham permissão para ir ao banheiro durante a jornada de trabalho. “Esse é o tipo de campanha que a gente faz para aumentar a pressão dos consumidores sobre as empresas. Outra estratégia é o ativismo de acionista. Compramos ações das empresas e participamos das reuniões de acionistas, lançando propostas”, contou ele.
“Se sempre foi necessária para o trabalhador a luta, hoje é ainda mais vital. O objetivo deve ser frear o avanço desse modelo. Não sabemos como parar, mas sabemos que temos que nos defender desse avanço”, resumiu Inés Franceschelli.