Os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas – ou cerca de 60% da população mundial. É o que revela o novo relatório da Oxfam, “Tempo de Cuidar – O trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, que estamos lançando nesta segunda-feira (20/1) às vésperas do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
A desigualdade global (e brasileira) está em níveis recordes e o número de bilionários dobrou na última década. E o novo relatório enfoca em um tema invisível, mas que é um dos combustíveis que alimentam essa engrenagem: as economias do mundo são sexistas.
“Milhões de mulheres e meninas passam boa parte de suas vidas fazendo trabalho doméstico e de cuidado, sem remuneração e sem acesso a serviços públicos que possam ajudá-las nessas tarefas tão importantes”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
Mulheres fazem 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado
As mulheres fazem mais de 75% de todo trabalho de cuidado não remunerado do mundo. Com isso, frequentemente trabalham menos horas em seus empregos ou tem que abandoná-los por causa da carga horária com o cuidado.
Em todo mundo, 42% das mulheres não conseguem um emprego porque são responsáveis por todo o trabalho de cuidado. Entre os homens, esse percentual é de apenas 6%.
As mulheres também são maioria na força remunerada de trabalho de cuidado. Enfermeiras, faxineiras, trabalhadoras domésticas e cuidadoras são em geral mal pagas, têm poucos benefícios e trabalham em horários irregulares. Portanto, sofrem mais problemas físicos e emocionais.
População aumenta e envelhece
E o problema deve se agravar na próxima década conforme a população mundial aumenta e envelhece. Estima-se que 2,3 bilhões de pessoas vão precisar de cuidado em 2030. Isso representa um aumento de 200 milhões desde 2015. No Brasil, em 2050, serão cerca de 77 milhões de pessoas a depender de cuidado (pouco mais de um terço da população estimada) entre idosos e crianças, segundo dados do IBGE.
Além disso, de acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 30% dos municípios brasileiros (cerca de 1.500) contam com instituições de assistência a idosos. Elas estão localizadas, em sua maior parte, na região Sudeste do país. Assim, 90% do trabalho de cuidado é feito informalmente pelas famílias – e desses 90%, quase 85% é feito por mulheres.
Ricos e grandes empresas têm que pagar mais impostos para financiar luta contra pobreza
O relatório “Tempo de Cuidar” revela ainda como governos vêm cobrando poucos impostos dos mais ricos e de grandes corporações. Com isso, abandonam a opção de levantar os recursos necessários para reduzir a pobreza e as desigualdades.
Por isso, considerando que os bilionários têm mais riqueza do que 60% da população, consideramos ser esta a receita para uma catástrofe global.
Ainda assim, os governos estão sub-financiando serviços públicos e infraestruturas essenciais que deveriam reduzir o peso do trabalho de cuidado sobre mulheres e meninas. Investir em saneamento básico, eletricidade, creches e saúde, por exemplo, poderia dar às mulheres e meninas oportunidades para melhorarem a qualidade de suas vidas.
Economia voltada para todos e todas
“É por isso que os governos têm que enfrentar as imensas desigualdades que causam tanto sofrimento no Brasil e no mundo. E assim, quando eles deixam de agir, as pessoas vão às ruas, como estamos vendo por toda parte – no Chile, em Hong Kong, na França”, afirma Katia Maia.
“Queremos uma economia voltada para 100% da população e não para o 1% mais rico do mundo. Com isso, o desenvolvimento e oportunidades devem ser para todos e todas, e não apenas para o mesmo grupo de privilegiados de sempre: homens brancos e ricos.”
Nossas recomendações:
Investir em sistemas nacionais de prestação de cuidados para solucionar a questão da responsabilidade desproporcional pelo trabalho de cuidado realizado por mulheres e meninas:
Os governos devem investir em sistemas nacionais de prestação de cuidados (acesso à água potável, saneamento e energia doméstica, entre outros). É preciso ainda investir e transformar os serviços públicos e infraestrutura existentes.
Acabar com a riqueza extrema para erradicar a pobreza extrema:
Os governos devem adotar medidas para reduzir drasticamente o fosso entre os muito ricos e o resto da sociedade, como tributação de riqueza e rendas elevadas e combate à sonegação fiscal, entre outros.
Legislar para proteger os direitos de todas cuidadoras e cuidadores e garantir salários dignos:
Os governos devem garantir e monitorar a implementação de políticas jurídicas, econômicas e de mercado de trabalho. A ideia é proteger os direitos de cuidadores e trabalhadores de cuidado. Isso deve incluir a ratificação da Convenção 189 da OIT sobre a proteção de trabalhadoras e trabalhadores domésticos e de políticas que garantam um salário digno, bem como ações contra diferenças salariais de gênero.
Garantir que cuidadoras e cuidadores tenham influência em processos decisórios:
Com isso, os governos facilitam a participação de cuidadores não remunerados e trabalhadoras de cuidado em fóruns e processos de formulação de políticas em todos os nívei. É preciso também investir recursos na coleta de dados abrangentes para subsidiar a formulação de políticas e avaliar impactos.
Desafiar normas prejudiciais e crenças sexistas:
Normas prejudiciais e crenças sexistas que consideram o trabalho de cuidado uma responsabilidade de mulheres e meninas devem ser desafiadas. Isso pode ser feito por meio de propaganda, comunicação pública e legislação.
Valorizar o cuidado em políticas e práticas empresariais:
As empresas devem reconhecer o valor do trabalho de cuidado e promover o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras. Além disso, devem apoiar a redistribuição do cuidado oferecendo benefícios e serviços como creches e vales-creche e garantir salários dignos.
Alguns dos principais dados do relatório:
- Os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas (60% da população mundial).
- Os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres da África.
- Mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado. Isso representa pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global. O valor é mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
- Se o 1% mais rico do mundo pagasse uma taxa extra de 0,5% sobre sua riqueza nos próximos 10 anos seria possível criar 117 milhões de empregos em educação, saúde e assistência para idosos.
NOTA
Os cálculos da Oxfam são baseados nas mais atualizadas fontes de dados disponíveis. Os dados sobre riqueza no mundo são do Credit Suisse Research Institute’s Global Wealth Databook 2019. Os dados sobre os mais ricos do mundo são da lista de bilionários da Forbes – edição 2019.