Por Beatriz de Oliveira
“As mulheres da Jornada das Pretas são fortes, potentes e diversas, e buscam estar em qualificação contínua, não só para contribuir na construção de uma sociedade melhor, mas também ocupar os espaços de decisão, para que todas as mulheres pretas sejam, de fato, representadas”.
É assim que começa a Carta Preta, elaborada por mulheres negras, trans e cis, que participaram da segunda edição da Jornada das Pretas. O evento teve como objetivo fortalecer a construção de agendas políticas das participantes, assim como promover a troca de experiências em um espaço seguro. Organizados pela Oxfam Brasil, em parceria com Instituto Alziras, Instituto Marielle Franco, e Mulheres Negras Decidem, os encontros ocorreram de modo virtual nos dias 14, 21 e 28 de maio de 2022.
Na primeira reunião online, mulheres de diferentes estados mostraram que afeto é política. Conversaram em torno do tema “Análise de Conjuntura” e mencionaram fatos políticos marcantes nos últimos anos, como as jornadas de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff e a chapa Lula-Alckmin nas eleições de 2022. Nesse encontro, estavam presentes as convidadas Piedade Marques, da Rede de Mulheres Negra de Pernambuco, e Allyne Andrade, advogada e superintendente adjunta do Fundo de Direitos Humanos do Brasil.
O desafio de aumentar participação negra na política
As mulheres apontam, na Carta Preta, a importância de uma maior ocupação de negros e negras no espaço político. “Em meio à falta de recursos e preconceitos, entrar para a política é um desafio enorme para mulheres e negros no Brasil, ainda mais para quem pertence aos dois grupos. É preciso garantir maior participação das mulheres negras nos partidos políticos. Além de ser um processo de reparação histórica, é também uma forma de promover a democracia e pluralidade de vozes nos espaços de tomada de decisão”, diz trecho da carta.
Já é possível notar um maior movimento de pessoas negras entrando na política. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as eleições municipais de 2020 tiveram o maior número de candidatos negros já registrados. Mais de 40% dos candidatos eram pretos ou pardos.
Outro assunto colocado à mesa na Jornada das Pretas foi a criação de estratégias e articulações políticas. A convidada Zélia Amador, professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutora em Ciências Sociais, indicou que as lutas devem ser traçadas a partir da ancestralidade, e que a troca de experiências entre as gerações é essencial.
Estratégias para garantir espaço necessário
Para as mulheres negras que compuseram a Jornada, as primeiras estratégias devem ser para que permaneçam de pé. “Uma das principais agendas de luta das mulheres negras é permanecermos vivas! Lutar pela vida, pela democracia, pela inclusão, pela geração de emprego e renda, pelo cuidado com a saúde mental. Pelo direito à vida e à liberdade dos nossos filhos, porque eles e nossos irmãos são perseguidos pelo sistema e pela polícia, e são eles que são sempre o alvo”, afirmaram as mulheres na Carta.
O último encontro da Jornada foi precedido de acontecimentos revoltantes no país: a chacina na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e a morte por sufocamento de Genivaldo de Jesus Santos, no Sergipe. Diante disso, as mulheres falaram sobre violência política. Para a advogada Brisa Lima, uma das convidadas, a participação de mulheres negras nesse meio é acompanhada da violência.
Violência contra mulheres preocupa
Sobre a conjuntura eleitoral deste ano, o que mais preocupa às participantes é justamente essa violência. Não à toa o caso de Marielle Franco foi muito citado – a vereadora foi assassinada em 14 de março de 2018.
“Esse tipo de violência acontece quando expomos nossos corpos para a luta, quando ocupamos espaços que há tanto tempo são privilégios das elites. São mecanismos construídos para nos tirar do lugar onde chegamos. São ameaças físicas, humilhações, interrupção de fala, entre outros”, diz outro trecho da carta.
De acordo com a pesquisa “Violência Política Contra Mulheres Negras”, do Instituto Marielle Franco, quase 100% das mulheres negras que se candidataram às eleições municipais de 2018 relataram ter sofrido ao menos um tipo de violência política. Dentro do contexto do distanciamento social imposto pela pandemia da Covid-19, a violência virtual foi a que mais se destacou, 78,1% das entrevistadas afirmaram ter passado por este tipo de violência.
Campanha pode transformar realidade
No mesmo dia, também foi discutido o tema “Mobilização de recursos online e voluntários para campanhas políticas”. Marcelle Decothé, doutoranda em sociologia e coordenadora da área de incidência do Instituto Marielle Franco, falou sobre o assunto e afirmou que a campanha é uma oportunidade de transformar a realidade.
A arrecadação de recursos financeiros é uma preocupação para as participantes, algumas das quais são pré-candidatas às eleições de 2022. “Temos um grande problema que é a falta de recursos, precisamos discutir e amarrar estratégias para viabilizar o financiamento coletivo para as campanhas das mulheres negras, para que se forme uma grande rede que estimule outras. Nesse momento, as estratégias são: dividir as ferramentas e os saberes, entender que disputar esse espaço é fundamental, mas também é violento”, diz trecho da Carta Preta.
A Jornada das Pretas 2022 demonstrou a importância de as mulheres negras estarem juntas, em coletivo, e como mulheres negras, ativistas e atuantes na política conseguem sonhar um futuro melhor e elaborar estratégias para construí-lo.
“Um país justo e igualitário. É isso que queremos, é isso que desejamos para todas nós. Um país onde nós possamos andar nas ruas sem sermos violentadas, onde as nossas vidas sejam prioridade para qualquer política, de qualquer governo. Onde se garanta os direitos mais básicos, como alimentação digna e de qualidade, emprego e segurança. Que os nossos filhos saiam e voltem para casa todos os dias”, demandam no texto da Carta.