Entre os dias 10 e 12 de dezembros, representantes do MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu), CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) e CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) estiveram em Brasília (DF) para uma série de compromissos de incidência política.
Essas agendas são fundamentais para essas organizações que atuam em territórios afetados pelo racismo ambiental e que buscam justiça climática. Esse processo de levar as demandas para o poder público fortalecem a voz das comunidades, influenciam políticas públicas e promovem mudanças estruturais capazes de enfrentar as desigualdades sociais e ambientais.
Diferentes gerações e a mesma luta
Na Secretaria Nacional de Juventude a delegação foi recebida por Bruna Paola, Coordenadora-Geral de Articulação Social das Juventudes. A agenda aconteceu no mesmo dia que a Secretaria lançou o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, documento que tem como objetivo articular políticas públicas para promover o desenvolvimento sustentável nas áreas rurais, com foco na sucessão familiar e na melhoria da qualidade de vida das juventudes que vivem no campo, nas águas e nas florestas.
“Não começou com a Dona Nice e não vai terminar comigo” comentou a jovem Letícia Santiago de Moraes, do CNS, em referência à Maria Nice Machado, Secretária de Mulheres e referência da organização, que está há décadas na luta pelos direitos das populações extrativistas.
As principais pautas debatias foram o racismo ambiental, justiça climática e a preparação para a COP30. Durante o encontro, as organizações ressaltaram a necessidade de políticas públicas que reconheçam a representação territorial e tratem a pauta ambiental como uma questão coletiva, evitando modelos de desenvolvimento que desconsiderem os saberes e os modos de vida das comunidades. Essa exclusão, segundo as entidades, perpetua ciclos de violência e pobreza nos territórios mais vulneráveis.
As políticas voltadas para juventudes e mulheres também foram destacadas como áreas frequentemente afetadas por cortes orçamentários, refletindo um descaso histórico com essas populações. A Secretaria apresentou suas iniciativas, como a realização de seminários com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para atualizar o Plano Nacional de Justiça e Meio Ambiente e capacitar jovens para uma participação qualificada na COP30. Houve consenso sobre a importância de garantir que o evento global inclua uma participação social ampla, com escuta ativa e construção conjunta de soluções para a crise climática.
“Instrumento assinado não é política pública, precisa executar”, destacou Bruna Paola, reafirmando o compromisso da Secretaria com essas pautas.
As organizações, em parceria com a Oxfam Brasil, estão finalizando a campanha Tem Floresta em Pé, Tem Mulher, lançada em 2022 com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o trabalho que essas mulheres realizam na proteção de seus biomas.
Empresas e direitos humanos
A delegação também se reuniu com Edmilson Rodrigues, coordenador de Empresas e Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, para tratar de pautas relacionadas à justiça climática, direitos territoriais e a participação na COP30. O encontro também abordou a oportunidade de atuação conjunta por meio do projeto das Nices e Dijes e a importância de construir uma agenda de incidência robusta com o ministério.
Durante a reunião, as lideranças das organizações reforçaram denúncias sobre os impactos das ações de grandes empresas em seus territórios. “Mudanças climáticas exigem um novo olhar.
Quem cuida do que restou dos biomas somos nós, quilombolas, quebradeiras, extrativistas”, afirmou Ednalva Ribeiro do Miqcb. Já Ednéia Monteiro Conaq destacou a falta de consulta às comunidades tradicionais sobre autorizações concedidas a essas empresas. “Quando falamos em justiça climática, pensamos: que justiça é essa se as empresas chegam ao território com autorização do governo e nós pagamos a conta?”, questionou.
Dona Nice do CNS criticou os projetos de desenvolvimento que desconsideram a vida nos biomas. “Representamos todos os biomas. Os projetos de desenvolvimento são invasões das grandes empresas. Uma empresa despeja 350 mil famílias para plantar soja, isso não é desenvolvimento, é morte. Nossas lideranças são assassinadas por defender os biomas”, afirmou. Ela ainda reforçou a necessidade de alianças entre o governo e os movimentos sociais: “Nós queremos somar, o poder público precisa se unir com a força que somos nós”.
Seminário Tem Floresta em Pé, Tem Mulher
O seminário “Tem Floresta em Pé, Tem Mulher”, realizado na Universidade de Brasília (UnB), promoveu discussões centrais sobre justiça climática, racial e de gênero, além de estratégias de comunicação fundamentadas na ancestralidade.
Dividido em dois painéis, o evento reuniu lideranças de organizações quilombolas, indígenas e extrativistas, além de representantes de movimentos sociais que atuam na preservação ambiental e nos direitos das mulheres.
No primeiro painel, “Vozes da Floresta por Justiça Climática, Racial e de Gênero”, Dona Nice Machado (CNS), Sandra Regina (MIQCB), Ednéia Monteiro (CONAQ) e Lidia Lins (Vozes Negras pelo Clima) compartilharam experiências e desafios.
Dona Nice destacou a contradição entre o desenvolvimento defendido pelas empresas e o trabalho das comunidades: “Nós lutamos pela riqueza dos territórios, enquanto as empresas lutam pela riqueza delas. Nós somos os guardiões da floresta, as vítimas de uma destruição que não causamos”. Sandra ressaltou o impacto de retrocessos legislativos, como o PL que questiona a função social da terra, e a importância de iniciativas como a Lei do Babaçu Livre para a geração de renda sustentável por meio da agroecologia.
Ednéia reforçou a necessidade de garantir os direitos territoriais para promover o bem viver: “Decisões federais precisam ter aplicação nos municípios, e precisamos de formação, como advogados quilombolas, para defender nossos direitos”.
Lidia, por sua vez, chamou atenção para o racismo ambiental, apontando a vulnerabilidade das periferias urbanas às mudanças climáticas: “Não há justiça climática sem justiça racial. Precisamos de adaptação climática numa perspectiva antirracista”.
O segundo painel, “Estratégias de Comunicação e Ancestralidade”, trouxe reflexões de Letícia Morais (CNS), Maria Ednalva (MIQCB) e Ailton Borges (CONAQ). Letícia enfatizou a relação entre território e identidade: “É impossível discutir ancestralidade sem discutir território. Comunicação não é só redes sociais, é como reconhecemos nossas comunidades”.
Ednalva destacou o papel da comunicação na amplificação das lutas: “Por meio da comunicação, descobrimos que nosso trabalho combatia o racismo ambiental. Documentários e a imprensa nos ajudam a pressionar o governo e levar nossas pautas mais longe”.
Ailton reforçou a importância de narrativas baseadas na ancestralidade: “A comunicação ancestral dos mais velhos, por meio da oralidade, é essencial para construir narrativas políticas. Não há como falar de um Brasil antirracista sem os quilombolas”.
O seminário também ressaltou a criação de redes de comunicadores quilombolas, a valorização da juventude e o papel mobilizador de movimentos como a Marcha das Margaridas. Durante a pandemia, a articulação intergeracional foi essencial, com os jovens apoiando os mais velhos para garantir a continuidade das reuniões e ações coletivas. As discussões marcaram o fortalecimento das vozes das mulheres e comunidades que preservam os biomas brasileiros.