O Brasil é tão desigual que a maioria da população não consegue perceber a real dimensão dessa desigualdade, desconhecendo o seu lugar de fato na pirâmide social.
A pesquisa de percepção pública que lançamos esta semana, em parceria com o instituto Datafolha, revela que 88% dos brasileiros acreditam pertencer à metade mais pobre da sociedade, e metade pensa que para estar entre os 10% mais ricos é necessário ter um ganho mensal superior a R$ 20 mil. A realidade, no entanto, é bem outra —e perversa.
Se é verdade, conforme mostrou um estudo do IBGE lançado no mês passado, que metade da população vive, em média, com menos de um salário mínimo por mês, também é fato que, para figurar no grupo dos 10% que mais ganham, basta uma renda de pouco mais de 3 salários mínimos, segundo dados de 2015 da Pnad.
Além disso, os 10% mais ricos apresentam uma enorme distância entre si, com rendas que variam de 3 a mais de 320 salários mínimos, expondo o nível de concentração da renda no país.
Essa e outras dimensões das desigualdades existentes no Brasil são desconhecidas da população, como indica a pesquisa Oxfam Brasil/Datafolha. Quando a sociedade não consegue se localizar na pirâmide social e percebê-la na sua completa e triste perversidade, a luta contra as desigualdades perde força.
A questão, no entanto, vai além da renda. Ela é estrutural. Está, sim, nos baixos rendimentos da população, mas também no acesso diferenciado a serviços públicos, no racismo, na desigualdade de gênero e na tributação, que, por exemplo, beneficia o seleto grupo dos super-ricos, com rendimentos mensais acima de R$ 80 mil.
Segundo a Receita Federal, eles podem chegar a ter isenções fiscais de quase 70%! Inadmissível!
Num país tão desigual, é urgente melhorar a distribuição de sua riqueza e garantir os direitos básicos a serviços públicos essenciais como saúde, educação e moradia.
A pesquisa que realizamos, aliás, revela que 8 entre 10 brasileiros concordam com a afirmação de que o Estado tem que atuar para garantir esses direitos. E mais: 7 em cada 10 defendem que os super-ricos devem pagar mais impostos para financiar esses serviços à população.
Esse sentimento majoritário em nossa sociedade é sinal inequívoco de que alguma coisa está fora da ordem. Os brasileiros não acreditam, segundo a pesquisa, que as coisas vão melhorar a curto e médio prazos. Esse sentimento é um sinal de alerta para os governantes. O combate às desigualdades tem que ser prioritário na agenda nacional.
Se queremos um Brasil mais igual, justo e solidário, temos que avançar em propostas que promovam uma vida mais completa e menos violenta para milhões de brasileiros e brasileiras.
A emenda do teto de gastos públicas não é uma delas. Pelo contrário, ela acirra os nossos problemas sociais ao congelar investimentos essenciais em educação e saúde. Outro ponto importante é discutir a redistribuição da carga tributária, que hoje onera os mais pobres –enquanto gastam 32% da renda em tributos, os mais ricos gastam 21%.
Nosso relatório “A Distância que nos Une”, lançado em setembro, mostra ainda a importância de combater a discriminação de raça e gênero para se reduzir as desigualdades no Brasil. É inadmissível um país que perpetua a divisão da sociedade em cidadãos e cidadãs de primeira e segunda classe.
KATIA MAIA, socióloga, é diretora-executiva da Oxfam Brasil
ODED GRAJEW é presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil e presidente emérito do Instituto Ethos; é idealizador do Fórum Social Mundial
(artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 6/12)