O Brasil é o décimo país mais desigual do mundo, com um sistema tributário que penaliza os mais pobres e problemas sociais estruturantes. Nesse cenário, a necessidade de se pensar em políticas públicas efetivas para a redistribuição de renda será um desafio para qualquer que seja o próximo governo. Em entrevista concedida nesta segunda (13/8) para a rádio CBN, Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam, falou sobre essa questão.
Rafael mencionou alguns dos dados apresentados no relatório A Distância que nos Une, lançado pela Oxfam Brasil em setembro de 2017: apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres, os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês.
Leia abaixo a íntegra da entrevista (para ouvi-la, clique aqui):
Levando em consideração os trabalhos que a própria Oxfam Brasil faz dentro do tema da desigualdade social, o que as pesquisas de vocês mostram do tamanho do buraco que nós temos no Brasil entre as pessoas?
– Hoje, uma pessoa que ganha um salário mínimo levaria 19 anos trabalhando para ganhar o que o 0,1% mais rico ganha em um mês. O Brasil é o décimo país mais desigual do mundo, segundo o
último levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e, ao mesmo tempo, é uma das dez maiores economias do planeta. Nosso PIB per capita não é tão alto, ele é baixo quando a gente compara, por exemplo, com países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que mostra que a gente ainda tem sim o desafio de crescimento. Mas hoje essa encruzilhada que as eleições nos coloca, esse crescimento tem que ser pensado com redistribuição. A ideia de que tem que crescer o bolo para depois repartir já está vencida. Ou a gente cresce redistribuindo ou a nossa economia fica frágil e a gente sai e mergulha na pobreza de tempos em tempos e nesse momento estamos vivendo justamente isso.
A raiz dessa desigualdade está onde?
– O Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, nunca fizemos uma reforma agrária de fato, como foi feita em países europeus, mas, de maneira mais imediata, existem várias decisões política que foram tomadas ao longo das última décadas que mantêm as desigualdades estruturantes. Por exemplo, o sistema tributário reforça muita desigualdade no país. O gasto social melhorou muito, mas ainda não está em níveis necessários para vencer a distância que separa ricos e pobres. Existe o racismo estruturante no Brasil. Eu diria que essas três, mais a discriminação contra mulheres, de maneira mais imediata, têm mantido essa distância entre grupos sociais no Brasil.
Quase todas as candidaturas, quando falam em desigualdades sociais no país, apontam algo que já existe, que é o Bolsa Família. A proposta é manter o Bolsa Família, alguns falam em porta de saída para o programa. O que é preciso agregar em proposta para o Bolsa Família?
– O Bolsa Família é um programa fundamental para o Brasil, ele tem que ser mantido, como programas de transferência condicionada são desenvolvidos em vários países. Mas, de fato, como você disse, ele não é o que vai promover mobilidade social, ele vai tirar as pessoas de uma condição de extrema pobreza e o que promove mobilidade são políticas estruturantes de mais longo prazo. Por exemplo, as políticas educacionais. O Brasil hoje investe cerca de 6% do PIB em Educação. Ao mesmo tempo que esse não é um número baixo, comparado a países desenvolvidos, a gente precisa expandir. Ainda tem, por exemplo, muitas escolas em situação precária de infraestrutura, faltam políticas mais modernas para formação de professores, aumento da progressividade, ou seja, que o gasto chegue em quem mais precisa primeiro. Essas são algumas das saídas que talvez deveriam ser mais discutidas no debate eleitoral. Com relação à política tributária, o Brasil tem hoje uma forma de tributação muito injusta, que recai de maneira mais forte sobre os mais pobres, e muito concentrada na tributação indireta, ou seja, dos produtos. Todos nós compramos produtos, seja pobre ou rico, e existe um limite em que a tributação indireta pode ser progressiva, ou seja, tributar mais os mais ricos. O ideal seria tributar mais renda e patrimônio. Essas são políticas estruturantes que vão muito além do Bolsa Família, que têm um custo baixo, um custo de R$ 30 bilhões, isso é 0,5% do PIB.
Você mencionou no gasto social, falou inclusive do quanto nós investimos em Educação. Qual é o problema com o nosso gasto social, é mais a quantidade ou a qualidade? É a maneira como esse dinheiro acaba sendo gerido na hora de se investir?
– Eu diria que é um pouco dos dois. O Brasil tem aumentado o gasto social recentemente, talvez nem tanto quanto a gente pense – existe às vezes uma dupla contagem de repasses que o Tesouro às vezes não consegue tirar. Mas o Brasil tem sim gastado mais. Existe uma necessidade de aumento da progressividade do gasto, ele precisa chegar primeiro em quem mais precisa. O Brasil é um dos poucos países na América Latina que ainda tem um Sistema Único de Saúde (SUS).
A gente às vezes subestima o valor de um sistema universal que atende a todos, inclusive a classe média que pode até não usar o hospital de emergência, mas certamente usa posto de vacinação, serviço da vigilância sanitária, tudo isso é o SUS. Então, é preciso valorizar o nosso gasto, aumento onde precisa e aumentar a progressividade, que significa aumentar a qualidade do gasto com políticas públicas mais modernas, com gestão mais competente dessas políticas.
Eu acrescentaria, porque temos historicamente no Brasil o assistencialismo, inclusive na política em época de eleição fala-se muito em programas assistencialistas. O Bolsa Família faz um corte em relação a isso. Tivemos embriões do Bolsa Família durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas de fato o Bolsa Família é um programa mais profundo e definitivo. Qual é o balanço que você faz do Bolsa Família nesse período? E quando se fala em porta de saída, o que seria essa porta de saída e se ela é eficiente para o Bolsa Família?
– O Brasil, desde 1976, reduziu o índice de Gini, que mede a distribuição de renda, 0,623 para 0,515 – não é mais tão grande. Nesse período, a redução da pobreza foi de 35% para 10%. Foram 28 milhões de pessoas, só considerando os últimos 15 anos, que foram tiradas da pobreza. O Bolsa Família não pode ser visto como um programa de mobilidade, então, quando se fala em porta de saída para o programa, na nossa visão, essa porta de saída são as políticas estruturantes que provocam mobilidade. São políticas educacionais, a garantia de oferta de saúde ainda pública. O Brasil é um país cuja população depende muito dos serviços públicos, a crise fiscal que a gente vive agora atinge sobretudo aqueles da base da pirâmide social. O desemprego provoca recessão econômica, faz com que as pessoas percam suas poucas rendas e, se você reduz a possibilidade do Estado oferecer serviços, a gente realmente diminuiu a condição de vida das pessoas drasticamente. Então, o Bolsa Família entra nessa rede de proteção, e ele é uma das políticas mais baratas. Nenhum outro programa foi tão estudado, e dentre os que estudam o Bolsa Família, de qualquer corrente econômica, existe um consenso do valor que tem esse programa e do custo-benefício que ele oferece. A porta de saída é a discussão de políticas estruturantes, eu volto a bater nessa tecla, política educacional e políticas que garantam a oferta de emprego.