Uma em cada cinco famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pardas e pretas no Brasil sofre com a fome (20,6%) – o dobro em comparação aos lares chefiados por pessoas brancas (10,6%). A situação é ainda mais grave quando se leva em conta o gênero: 22% dos lares chefiados por mulheres autodeclaradas pardas e pretas sofrem com a fome, quase o dobro em relação a famílias comandadas por mulheres brancas (13,5%).
Os dados foram obtidos pelo recorte de raça e gênero do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), pesquisa que teve os primeiros resultados publicados em junho de 2022.
Baixe aqui o Suplemento II – Insegurança Alimentar e Desigualdades de Raça/Cor da pele e Gênero
O VIGISAN é uma realização da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com dados obtidos pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com apoio das organizações Oxfam Brasil, Ação da Cidadania, ActionAid, Ford Foundation, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga e Sesc São Paulo.
Os novos dados dão uma dimensão mais exata da fome no Brasil, que atingiu 33,1 milhões de pessoas em 2022. O recorte de raça e gênero revela que muitas das pessoas que estão passando fome no país vivem em casas chefiadas por mulheres negras – pardas e pretas, conforme a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A situação de insegurança alimentar e fome no Brasil, que foi denunciada ao mundo pelo II VIGISAN, em 2022, ganha maior nitidez agora. A falta de alimentos e a fome são maiores entre as famílias chefiadas por pessoas negras, principalmente mulheres negras. Precisamos urgentemente reconhecer a interseção entre o racismo e o sexismo na formação estrutural da sociedade brasileira, implementar e qualificar as políticas públicas tornando-as promotoras da equidade e do acesso amplo, irrestrito e igualitário à alimentação”, afirma a professora Sandra Chaves, coordenadora da Rede Penssan.
Maior escolaridade não é suficiente
O recorte de raça e gênero do II VIGISAN 2022 mostra que a maior escolaridade (quando a pessoa no comando da família tem 8 ou mais anos de estudo) não protegeu as famílias de mulheres negras da falta de alimentos. Um terço delas (33%) sofrem com insegurança alimentar moderada ou grave, comparado com 21,3% de homens negros, 17,8% de mulheres brancas e 9,8% de homens brancos.
Crianças em casa e menos comida na mesa
A fome foi uma realidade para 23,8% das famílias que tinham crianças menores de 10 anos de idade e eram chefiadas por mulheres negras. Neste grupo, apenas 21,3% dos lares encontravam-se em segurança alimentar, menos da metade do que foi encontrado nos lares chefiados por homens brancos (52,5%) e quase metade do que ocorre nos domicílios chefiados por mulheres brancas (39,5%).
Emprego e renda ajudam na alimentação, mas de forma distinta
A situação de emprego e trabalho também influenciou a segurança alimentar das famílias no final de 2021 e início de 2022, segundo a cor da pele autodeclarada da pessoa responsável. Onde havia desemprego ou trabalho informal, a fome se fez presente na metade dos lares chefiados por pessoas negras, comparado com um terço dos lares chefiados por pessoas brancas. Na condição de desemprego, a insegurança alimentar grave, ou seja, a fome, foi mais frequente em domicílios chefiados por mulheres negras (39,5%) e por homens negros (34,3%).
Quando a pessoa responsável pelo domicílio tinha emprego formal, e a renda mensal familiar era superior a 1 salário mínimo per capita (SMPC), a segurança alimentar se fez presente em 80% dos lares chefiados por pessoas brancas e em 73% dos chefiados por pessoas negras.
Sobre a VIGISAN (2022)
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN) revelou, a partir de dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, números graves sobre a insegurança alimentar no país: 33,1 milhões de brasileiros não têm o que comer, e apenas 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno a alimentos – ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Em números absolutos, eram 125,2 milhões em insegurança alimentar – leve, moderada ou grave.
Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. Resultados referentes aos estados e ao Distrito Federal foram divulgados em setembro de 2022, com o objetivo de identificar desigualdades regionais no acesso aos alimentos. A Segurança Alimentar e os níveis de Insegurança Alimentar foram medidos pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).