Como o país da abundância sofre com a abundância da fome? O que pode ser feito para reverter o catastrófico quadro de insegurança alimentar apontado pelo mais recente relatório da rede Penssan, que revela haver no Brasil hoje mais de 33 milhões de pessoas passando fome? Quais são as políticas e ações necessárias para o país voltar a prover alimentação básica e saudável para sua população, principalmente a que vive em situação de vulnerabilidade?
Essas e outras questões foram discutidas na terça-feira (21/6) no primeiro dia de debates do Encontro Nacional Contra a Fome, realizado na sede da organização Ação da Cidadania, no Rio de Janeiro.
O evento, que contou com especialistas no tema e representantes de organizações da sociedade civil de todo o país – entre elas a Oxfam Brasil – vai até o dia 23/6 e tem três eixos temáticos:
- Causas da Fome (terça-feira, 21/6)
- Consequências da Fome (quarta-feira, 22/6)
- Soluções para a fome (quinta-feira, 23/6)
Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, participará nesta quarta-feira (22/6) do painel “Sindemia Global: fome, obesidade e meio ambiente“, juntamente com Maria Emília Pacheco (Fase e ex-presidente do Consea), Janine Coutinho (especialista em Nutrição da UnB) e Joana Portugal (Coppe-UFRJ).
O evento pode ser acompanhado ao vivo pelo canal do Youtube da Ação da Cidadania:
No país da abundância, há abundância de fome
No primeiro painel desta terça-feira foram apresentados os dados do segundo Inquérito Nacional sobre a fome no Brasil da rede Penssan, lançado no início deste mês, que revelou os atuais números da fome no Brasil: mais de 33 milhões de pessoas sem ter o que comer e mais da metade dos domicílios do país em insegurança alimentar. Participaram Rosana Salles (Instituto de Nutrição-UFRJ), Sandra Chaves (Faculdade de Nutrição-UFBA) e Francisco Menezes (Action Aid e ex-presidente do Consea).
“42% das pessoas que têm insegurança hídrica também têm insegurança grave alimentar. Água e alimentação caminham lado a lado”, afirmou Salles, que é também pesquisadora da rede Penssan, apontando que a situação é mais grave nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Mas engana-se que pensa que o problema é localizado apenas nessas regiões. “A fome está espalhada por todo o país”, disse Sandra Chaves. “No país da abundância, há abundância de fome.” Segundo Chaves, a situação hoje é tão grave que não bastará fazer o mesmo que foi feito antes para tirar o Brasil do Mapa da Fome. “Será preciso fazer mais e melhor.”
Mobilização social é importante
O segundo painel, “Como o Brasil saiu do Mapa da Fome?”, reuniu Tereza Campello (ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula), José Graziano (diretor geral do Instituto Fome Zero e ex-diretor da FAO), Caio Magri (Instituto Ethos) e Ribamar de Araújo e Silva (Cáritas).
“O que marca o período de intenso combate à fome nos anos 2000 é a mobilização social”, afirmou José Graziano, lembrando a grande participação de vários setores da sociedade brasileira, em especial os empresários e a sociedade civil. “O Brasil é um exemplo de que é possível chegarmos à fome zero, com uma série de políticas públicas.”
Caio Magri concordou: “Precisamos de políticas públicas para a mobilização social. É preciso termos a indução delas para mobilizar a sociedade. Assim teremos ações na sociedade para atingir os objetivos.”
A ex-ministra Tereza Campello reforçou a capacidade brasileira de enfrentar a fome – “a gente já fez e podemos fazer novamente” – mas para tal, disse, é preciso que seja uma missão do Estado e do país. “Como dizia Josué de Castro, a fome não é um problema natural, é resultado de políticas (ou falta de).”
Campello afirmou que o combate à fome tem que ser associado ao combate à pobreza, com ações multisetoriais e sustentáveis, continuadas. Segurança alimentar é um direito. E se é direito, alguém tem o dever de oferecer. E esse dever é do Estado.”
O segundo painel do dia foi finalizado por Ribamar de Araújo e Silva, que também lembrou Josué de Castro em sua fala. “A fome é como um flagelo fabricado pelos homens contra os homens”, disse ele, lembrando que é importante conjugar o trabalho emergencial de combate à fome ao trabalho estrutural, organizado e pensado de maneira técnica. “Voltamos ao Mapa da Fome em tão curto espaço de tempo – de 2016 para cá – devido ao desmonte das políticas públicas que tínhamos para fazer esse enfrentamento.”
Mas a fome no Brasil tem razões mais profundas também, afirmou Ribamar: “é resultado da concentração de terras, renda e oportunidades.”
Programação do Encontro Nacional contra a Fome
Ao longo da tarde desta terça-feira foram realizados nove outros painéis de discussão com temas variados. A programação completa do dia e de todo o evento pode ser acessada aqui.