Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Caso não seja alterada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 pode oferecer ainda mais benefícios tributários à indústria armamentista e aumentar o volume de armas em circulação em um país em que mais de 70% dos homicídios são cometidos com este artefato e que lesões com armas custam 50 milhões de reais aos cofres públicos todos os anos. É o que alertam o Instituto Sou da Paz e a Oxfam Brasil, que lançam uma nota técnica produzida em parceria entre as organizações com o objetivo de sensibilizar parlamentares sobre os riscos para a segurança brasileira em reduzir os impostos sobre produtos que ameaçam a vida, como armas e munições.
Em alguns estados, como São Paulo, a tributação de revólveres, pistolas e seus acessórios cuja alíquota é de 63% reduziria para 10% caso a proposta de reforma tributária, em discussão no Senado, seja aprovada sem alterações sobre esses pontos. No estado do Rio de Janeiro, a alíquota incidente sobre esses produtos teria uma redução ainda mais drástica: de 75% para 10%. O Rio de Janeiro, na tentativa de conter o comércio e o tráfico de armas, já chegou a sobretaxar em 200% armas de fogo, munições e suas partes e acessórios, medida avaliada como legal pelo STF por considerar os riscos à vida e integridade física envolvidos.
A nota foi elaborada a partir de parecer jurídico das advogadas Luiza Machado de O. Menezes e Daniela Olímpio de Oliveira a pedido das organizações. O parecer traz argumentos sobre a inconstitucionalidade dos benefícios à indústria de armas, já largamente favorecida em termos tributários durante o governo de Jair Bolsonaro, marcado pela política de facilitação do acesso às armas de fogo e de enfraquecimento de mecanismos de controle. Os mais de 40 decretos de armas de Bolsonaro foram tema da campanha Caneta Gatilho, lançada pelo Sou da Paz no ano passado.
Alterações necessárias
O documento analisa o tratamento tributário que o Estado brasileiro dispensa a armas e munições, bem como as diferenças entre o atual cenário de tributação e o que está previsto na PEC 45/2019. Oferece uma estimativa de tributação sobre armas e munições neste novo possível cenário e propõe as alterações necessárias que assegurem a sobretaxação desses produtos, o que está previsto na Constituição.
Apesar de diversos decretos sobre armas terem sido revogados no atual governo do presidente Lula, na esfera tributária ainda vigora a redução de IPI para armas e munições. A alíquota de IPI sobre revólveres e pistolas sofreu redução de 45% para 29,25% durante a gestão Bolsonaro. Atualmente, os revólveres e pistolas, suas partes e acessórios, e os cartuchos sofrem a incidência das seguintes alíquotas:
Tabela 2 – Alíquota de IPI, PIS/Cofins e ICMS incidente sobre revólveres, pistolas, partes e acessórios, e cartuchos – 2023
A PEC 45/2019 pretende retirar o caráter extrafiscal dos novos impostos sobre consumo (IBS e CBS, que substituirão IPI e ICMS, além de PIS/Cofins e ISS) e transferir o papel extrafiscal para o Imposto Seletivo (IS), de competência da União. Ela estipulou o IS com a indicação finalística de sobretaxar a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, deixando de abarcar outras em essencial, como à integridade física ou à vida, por exemplo. Dessa forma, a redação atual do Imposto Seletivo não garante que esse imposto será aplicado às armas e munições. Sem a incidência do IS, as armas e munições seriam tributadas pela alíquota padrão de IBS e CBS, que, segundo nota técnica do Ministério da Fazenda, deve girar em torno de 25%.
Ou pior, além de não sofrer a incidência do Imposto Seletivo, as armas e munições ainda seriam beneficiadas por uma alíquota padrão reduzida em 60%, como demonstrado no Cenário 2 da tabela abaixo. Isso porque (de última hora, sem debate e diretamente no plenário da Câmara) foi incluído um inciso que permite essa diminuição para “bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”. Essa disposição é ambígua e pode ser interpretada de maneira a abranger não apenas bens relacionados à segurança nacional, mas também qualquer tipo de segurança, inclusive a segurança privada”, destacam as organizações na nota.
Tributação sobre revólveres, pistolas, partes e acessórios, e cartuchos – 2018, 2023, Cenários 1 e 2
“No Brasil, uma mulher é morta a cada seis horas e as pessoas negras representam 78% das vítimas fatais da violência armada. É inaceitável que a reforma tributária no Congresso considere a redução na taxação sobre armas de fogo. Uma reforma tributária saudável, solidária e sustentável, capaz de reduzir desigualdades, não pode promover ou incentivar o armamento da população”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
“A tributação precisa estar em consonância com valores, princípios e bens constitucionalmente estabelecidos” explica Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Deve promover arrecadação e fazer receita, mas também atuar na regulação de mercados. Armas e munições são acessíveis a particulares para fins privados, e também são bens que ameaçam a própria segurança pública, o direito à vida e à integridade física e por isso devem receber uma sobre-taxação, de forma a não só regular, como a coibir, de forma sustentável, seu uso e manuseio. Portanto consideramos como extremamente grave um cenário de uma diminuição ainda maior em sua taxação” alerta.