O segundo encontro da Jornada das Pretas 2023, que aconteceu em formato virtual no dia 21 de outubro, iniciou no ritmo do Cacuriá de Dona Teté, dança típica maranhense, apresentada pelo coletivo Laborarte. A dança abriu os caminhos para as trocas de ideias que se estenderam pela manhã de sábado, e que teve como tema principal as estratégias de comunicação para campanhas eleitorais.
Desde 2021, a Oxfam Brasil, em parceria com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco, reúnem organizações, especialistas e mulheres negras atuantes na política partidária, com o objetivo de promover espaços de formação e fortalecimento de agendas políticas lideradas por mulheres negras cis, trans e travestis de várias regiões do Brasil.
O segundo encontro da Jornada contou com a mediação de Mônica Oliveira, assessora parlamentar e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, que em sua fala inicial apresentou um resumo de como foi o encontro anterior.
Confira como foi o primeiro encontro da Jornada das Pretas 2023.
As convidadas que trocaram sobre o tema foram Mariana Nogueira, profissional da área de marketing, que pesquisa sobre política e já atuou em campanhas, e Jheniffer Ribeiro, coordenadora de comunicação do Mulheres Negras Decidem.
Ao longo do encontro, as convidadas apontaram estratégias, exemplos teóricos e práticos sobre como fazer o planejamento de comunicação para campanhas. Nesse processo, ressaltaram as particularidades e as possibilidades das candidaturas de mulheres que possuem limitações de recursos e de tempo.
Mariana Nogueira apontou que o período de pré-campanha – que vai até o dia 16 de agosto de 2024 – já começou, e com isso, vários homens, especialmente homens brancos, já estão fazendo campanha desde a última eleição. “[Eles] não param porque têm toda uma rede de apoio, de recursos, que faz com que possam se dedicar exclusivamente à política”, coloca a especialista em marketing.
Definição de estratégias
Em sua fala, Mariana menciona que para começar uma pré-campanha é importante que as pré-candidatas e a equipe de comunicação estejam cientes e atualizadas sobre a lei de comunicação eleitoral que muda com frequência.
A profissional explica que é proibido pedir voto no período de pré-campanha, assim como transmissão ao vivo das prévias partidárias por emissoras de rádio. Outro ponto que é vetado, é a realização de publicidade por meio de outdoor, seja físico ou eletrônico, tanto na pré-campanha, como no período eleitoral, que acarreta em multa no caso de descumprimento das regras.
Mariana também apresentou o que é permitido e recomendado: fazer menção à candidatura e exaltar as próprias qualidades como alguém que vai se colocar como candidata não configura como campanha antecipada.
“Participar de entrevistas, programas e de encontros para debater o que essa candidata defende, quais são as suas ideias, participar de debates em rádio, televisão e internet também é permitido. Discutir políticas públicas, planos de governo e alianças partidárias, essas coisas também podem ser divulgadas”, exemplificou Mariana.
A construção de imagem também é uma das etapas da comunicação. Essa é uma fase que antecede a divulgação da pré-campanha, segundo Mariana: “É preciso traçar estrategicamente a imagem dessa pessoa que vai concorrer à eleição, que não necessariamente deve ser a mesma imagem que você propaga em alguns ambientes da sua vida pessoal”. A profissional do marketing também destaca que essa imagem precisa ter permanência e coerência.
Segundo Mariana, a permanência tem a ver com símbolos adquiridos ao longo da trajetória e que as pessoas associam à imagem da candidata, como alguma pauta social. “É importante construir essa permanência porque as pessoas vão saber que, de fato, você é uma pessoa que faz política mesmo antes da eleição”, coloca.
No aspecto da coerência, a especialista em marketing explica: “Ainda que a sua imagem enquanto candidata não seja a mesma que você propague em determinados ambientes do âmbito familiar ou da sua militância, essa imagem precisa ter uma coerência com aquilo que você é, com aquilo que você representa, com o que você acredita e as suas atitudes”, pontua.
Jheniffer Ribeiro salienta a importância de traçar um planejamento de comunicação com foco na construção de uma narrativa.
“Ter esse controle da narrativa de nós mesmas, [é importante para definir] o que a gente quer colocar na rua e como a gente quer conversar com o nosso eleitorado”, menciona a coordenadora de comunicação do Mulheres Negras Decidem.
A coordenadora ressalta que o planejamento traz a liberdade de ter, a partir da narrativa, o controle do que se deseja transmitir. Para ela, um diferencial potente que há nas campanhas de mulheres negras são as narrativas. “É como as nossas histórias, em alguma medida, se aproximam do nosso eleitorado”, menciona.
Mariana afirma que toda campanha precisa ter pelo menos um público-alvo e uma pauta principal bem direcionada. “Para [saber] como a gente atinge o eleitorado que a gente quer trazer para perto”.
Jheniffer aponta que é preciso ter um foco na comunicação. “Se você falar de tudo não consegue focalizar e ser explícita e objetiva [sobre] onde a sua campanha vai levar as pessoas, porque as pessoas têm que votar em você”, pontua.
“É importante que você defina com quem quer falar e a partir disso [desenvolva] estratégias para poder conversar com essas pessoas, porque essas estratégias não são uma coisa uníssona”, menciona Jheniffer.
Ambas as convidadas apontaram sobre a necessidade de traçar um projeto político que demonstre como se pretende melhorar a vida das pessoas. Definir o eleitorado também foi um ponto destacado pelas comunicadoras.
Possibilidades na comunicação online
Mudar o nome da rede wi-fi pelo o nome e número da candidata, pois isso pode se espalhar entre os vizinhos. Estar em eventos, não necessariamente políticos, ajuda a furar a bolha de contatos. Criar núcleos de apoiadores locais que fortaleçam e ampliem o alcance das propostas de campanha. Essas foram algumas das dicas para a comunicação tanto online, como nas ruas.
Jheniffer trouxe táticas voltadas para a comunicação online, além do planejamento amplo de campanha. Segundo ela, é preciso ter um planejamento das redes sociais com cronograma e postagens regulares. Ela aponta que nas redes, as informações essenciais sobre o projeto político e sobre a trajetória da candidata precisam estar em destaque, assim como o número da candidatura.
“As pessoas passam a associar a sua campanha a determinadas cores, a um jeito de falar e isso também vai criando mais conexão com o seu eleitorado”, comenta a comunicadora, que também colocou sobre dar preferência aos vídeos na produção de conteúdo, sendo a comunicação visual um elemento que dialoga com o eleitor.
“A chave para uma campanha eleitoral eficaz é a autenticidade e a conexão com o eleitorado. É importante manter uma comunicação clara, ética e focada nos valores e propostas das candidatas, demonstrando comprometimento com a melhoria da vida das pessoas e a defesa dos direitos humanos”, ressalta Jheniffer.
Comunicação associada às vivências
Após as falas das convidadas, as 30 participantes foram divididas em quatro salas para que pudessem compartilhar suas experiências e percepções sobre o tema. Após essas trocas em grupos, todas voltaram a se reunir, e uma representante de cada grupo listou os principais pontos que surgiram dessas interações.
A dificuldade de falar sobre si foi uma questão que surgiu em todos os grupos e também na fala de Gabriella Borges, que em entrevista, comentou que no início de sua candidatura tinha muita dificuldade para falar em público.
“Foi um desafio enorme para mim fazer campanha, pedir voto, falar, porque eu tenho uma disforia da minha voz, mas hoje eu estou conseguindo me libertar dela e me superar”, comenta Gabriella, 43, mulher preta, travesti, moradora da periferia de Porto Seguro, cidade da Bahia, estudante universitária de química e que foi a primeira travesti eleita a presidenta de um partido político no Brasil.
Gabriella iniciou sua trajetória política em 2020, e no mesmo ano saiu como cabeça de chapa em uma campanha coletiva concorrendo ao cargo de vereança. Em 2022, concorreu às eleições como deputada estadual, e pretende se candidatar para as eleições de 2024.
Durante o encontro, Mariana citou como essa dificuldade de falar de si é uma questão estrutural, fruto dos processos de racismo e da misoginia, e indicou o que pode ser feito diante dessa dificuldade. “Sempre tem um público que vai se conectar com aquilo que a gente tem de vivência e isso é muito importante para vocês que são candidatas, porque isso cria laços afetivos”, afirma.
Jheniffer trás que as vivências e história das mulheres são diferenciais nessa comunicação. “O que tem de diferencial nas nossas campanhas é a nossa própria trajetória. Como nós chegamos até aqui, o que fez com que a gente chegasse até aqui, como isso se aproxima de um projeto de país, que de fato mude a vida das pessoas. Então é muito importante que você se apresente. Não tenha vergonha de contar sua história”.
Estratégias de comunicação offline
Mariana trouxe indicações que podem ser colocadas em prática presencialmente, como o lançamento de campanha com panfletos em lugares estratégicos. “Fazer um panfletaço é você se colocar enquanto um candidato presente que está próximo dos problemas daquela localidade em que você vai concorrer”, comenta.
Esse foi um ponto em comum apresentado entre os grupos, a importância de realizar ações de campanhas presenciais e estar perto do eleitorado. Em entrevista, Gabriella comenta que conseguiu expandir o alcance de suas propostas de candidatura através do apoio e do seu envolvimento com os movimentos sociais. Ela aponta que com o apoio da Coalizão Negra por Direitos, pode circular em diferentes regiões da Bahia, na pré-campanha, acompanhando os comitês antirracistas.
Através de sugestões das participantes, Mariana trouxe uma estratégia que foge da lógica das redes sociais, que é a possibilidade do uso da mala direta, considerando que nem todo mundo de fato tem acesso à internet. Ela também aponta sobre a relevância da TV nas campanhas. “O meio de informação mais utilizado pelo brasileiro é a televisão, a televisão ainda não foi superada por nenhum outro veículo de comunicação”, pontuou Mariana.
Em entrevista, Ludimilla Teixeira, coloca que, para ela, as campanhas presenciais são essenciais nas periferias. “Eu acredito que as rodas de conversa dentro das comunidades, o boca a boca, o disse me disse e o WhatsApp hoje consegue atingir melhor as pessoas que estão nas periferias, nos bairros mais empobrecidos e mais precarizados do que a gente ficar focado em rede social e internet”. Ela complementa: “Se possível brigar no partido pelo horário eleitoral também, porque engana-se quem acha que as pessoas não assistem”.
Mulher negra, de origem periférica, Ludimilla, 41, é natural de Salvador, na Bahia, graduada em publicidade e propaganda, e atua como servidora pública federal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ludimilla é fundadora do grupo Mulheres Unidas contra o Bolsonaro, que deu origem ao movimento Ele Não, em 2018.
Em suas ações políticas, Ludimilla, que foi candidata à vereança em 2020, e em 2022, ao cargo de deputada estadual, destaca sua preocupação em falar de modo acessível com mulheres.
“Eu quero falar com aquela parte da população feminina que está perdida aí na alienação do patriarcado. E a gente vai falar sobre Simone de Beauvoir e Angela Davis? Não, eu vou falar da minha mãe com ela, eu vou falar das mais velhas da comunidade”, comenta Ludimilla, com exemplo próximo a estratégia apresentada pela Mariana e Jheniffer sobre a adaptação da comunicação de acordo com o público-alvo.
Formar redes de apoio foi mais uma das estratégias citadas pelas convidadas e pelas participantes. Nesse sentido, Ludimilla diz que caso não concorra à eleição em 2024, irá ajudar na campanha de outra mulher. “Não sendo candidata, pretendo estar trabalhando ativamente na campanha de alguma companheira, porque não adianta só ter uma de nós lá”, comenta.
O terceiro e último encontro da edição de 2023 da Jornada das Pretas será dia 28 de outubro, sábado.