Por Jusciane Matos, baiana, criada em Águas Lindas de Goiás e moradora de Samambaia (DF), tem 31 anos, é formada em jornalismo e atua como produtora. Criadora do canal Sai da Casinha, no Youtube.
No dia último dia 4 de novembro de 2020, em meio à pandemia de coronavírus, os jovens do projeto Juventude nas Cidades (da Oxfam Brasil) e do Projeto Onda (do Inesc) foram convidados a participar da audiência pública online da Câmara dos Deputados do Distrito Federal sobre “Orçamento Público e os direitos humanos de crianças”. A audiência foi conduzida pelo deputado distrital Fábio Félix (Psol) e contou com a participação do também deputado distrital Leandro Grass (Rede) e da distrital Arlete Sampaio (PT). Também estiveram presentes autoridades de secretarias ligadas aos jovens e adolescentes do Distrito Federal.
Oito jovens representando a diversidade étnica, cultural, religiosa, racial, territorial e sexual da juventude do DF levaram os questionamentos e propostas estudadas e discutidas em grupo durante o processo formativo para a audiência. São eles: Ruan Guajajara (de Samambaia), Eulla Brennequer (Planaltina), Fábio William (Cidade Estrutural), Márcia Mesquita (Paranoá Parque), Walisson Braga (Quilombo Mesquita), Ayoola (Sol Nascente) e Andrey Nascimento (Paranoá Parque)
O manifesto “Incidir para Existir” apresentado pelo grupo é um documento que nasceu das demandas dos jovens e adolescentes que buscam apresentar propostas que, de fato, se revertam em políticas públicas que acessem essas juventudes viventes em territórios tão diversos e com necessidades tão específicas. Ayoola, morador do Sol Nascente, afirmou que a “desumanização dos corpos pretos começam antes de nascermos. A violência obstétrica é uma realidade nas periferias, essas violências poderiam ser evitadas se o orçamento público fossem investidos em educação e cultura”. E acrescentou: “Se nós pagamos pelas balas que matam nossos filhos, porque não utilizar esse mesmo orçamento para a construção de escolas? Se o Estado não sabe onde investir, nós mostramos.”
Necessidade de políticas públicas para a educação
A necessidade de políticas públicas educacionais efetivas foram trazidas por Andrey Nascimento. Ele provocou os presentes afirmando que as mazelas sociais na juventude nascem do descaso e falta de investimento no acolhimento nas escolas. “A falta de recursos nas escolas afastam os jovens e esses afastamentos causam danos, às vezes, irreversíveis a essa população como as violências e o trabalho precoce”, apontou.
Para Márcia Mesquita, a dificuldade ao acesso à escolas no Distrito Federal começa desde a tentativa de garantia das vagas até as distâncias que os jovens precisam percorrer de suas casas até as escolas. Márcia lembra que esse percurso que os jovens precisam fazer pode gerar problemas como violências, bullying, transfobia, racismo etc.
A diversidade é necessária e urgente
Outro ponto importante lembrado pelos jovens na audiência é a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além de analisar os motivos pelos quais os jovens abandonam as escolas e depois retornam para o EJA, é preciso repensar a estrutura desse processo formativo. Eulla, educadora social e cientista natural, explica que antes a EJA era voltada para um público de adultos sendo alfabetizados e, agora, “o público tem sido os adolescentes que são ‘expulsos’ do espaço escolar e acabam procurando a Educação de Jovens e Adultos, o que é grave, porque os adolescentes deveriam seguir o fluxo natural da formação”, disse.
Ruan Guajajara, jovem indígena, professor e morador de Samambaia, trouxe a necessidade de admitir e compreender a existência dos povos indígenas no DF e entender esse processo como riqueza para uma sociedade que busca a equidade. “Há uma invisibilização da nossa existência. É necessário que nossa história seja contada, que contem como nossos povos sofrem com o racismo, com a falta de estrutura e que sejamos vistos como povo e cultura que vive aqui e agora”. Ele ressaltou que é preciso pensar em ações orçamentárias para os povos indígenas que moram no DF. “Estamos nessa Casa, hoje, demandando isso, que nossa história não seja mais invisibilizada. Queremos um território diverso e os povos indígenas podem ensinar isso. Por isso, viemos a essa Casa cobrar nossos direitos”, finalizou.
A diversidade dos jovens do projeto refletem em cada um dos participantes da audiência. Walisson, quilombola do Quilombo Mesquita é uma dessas diversidades. Para ele, a construção de Brasília esconde muitas histórias. “Muito se fala sobre a construção de Brasília, mas nunca se fala sobre os quilombolas e os indígenas que estavam aqui”. Walisson contou a história dos quilombolas em Brasília e sobre as perdas do povo de Mesquita com a construção de Brasília em seus 50 anos em 05. “Aqui ainda não temos saúde e educação de qualidade por causa de um governo racista que nos nega esses direitos por sermos quilombolas”, destacou.
As demandas da juventude
Para finalizar as apresentações, Fábio William trouxe a perspectiva de criar belezas no meio do caos ou dos restos, como no caso das pessoas viveram e vivem como catadoras de resíduos sólidos na Cidade Estrutural. “Sou filho de catadora, nasci da Estrutural, do lixo florescemos, nascemos do resto”. Mas, Fábio destacou que mesmo nesse lugar em que poucas vozes conseguem se fazer ouvidas, existe a importância de entender sobre orçamento público e cobrar a efetivação desse orçamento. No entanto, ele reforçou a “dificuldade em acessar os dados do orçamento do DF. Isso fica como um alerta para que o governo apresente de forma mais clara os dados”.
Fábio trouxe as demandas que os jovens dos dois projetos analisaram como essenciais nesse momento e precisam de vontade política para serem executadas. Depois de analisados e estudados, os jovens dos projetos escolheram dois eixos como urgentes: educação e cultura. “São dois eixos dentro de muitas demandas de políticas públicas periféricas que as cidades do Distrito Federal necessitam como a construção de escolas, escolas bilíngues, construção de creches, Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU), O Fundo de Apoio à Cultura e formas de instrumentalização para que os jovens de periferia acessem esses editais e possam concorrer de forma menos injusta, e, mais recursos para o Jovem Candango”, concluiu. As autoridades presentes na audiência agradeceram a oportunidade de poder ouvir as demandas dos jovens ali presentes e se comprometeram em levar os tópicos apresentados para serem discutidos na frente parlamentar.