São Paulo é a cidade mais rica do Brasil. Ao mesmo tempo, apresenta vergonhosos indicadores de desigualdade: dos 96 distritos da cidade, 31 não mantêm sequer um leito hospitalar; 34, nenhum parque; e em 36 não há uma biblioteca pública sequer. A diferença entre os indicadores do melhor e do pior distrito chega, em inúmeros casos, a milhares de vezes. A mortalidade infantil é 14,85 vezes mais grave no Pari do que em Pinheiros. Um novo dado é bastante emblemático e assustador: o tempo médio de vida do morador de Cidade Tiradentes é de 53,85 anos; no Alto de Pinheiros, chega a 79,67.
Dados como esses ganharam notabilidade e espaço na mídia e nas discussões públicas graças a uma iniciativa da sociedade civil paulistana: o Mapa da Desigualdade de São Paulo, divulgado anualmente pela Rede Nossa São Paulo. Com a proposta de revelar a cidade por meio de suas diferenças regionais (alcançando a menor unidade administrativa possível), a ferramenta apresenta uma seleção de indicadores técnicos essenciais por distrito e aponta as diferenças entre os melhores e os piores – a essa diferença foi dado o nome de “desigualtômetro”, ou seja, quantas vezes o indicador da região com o pior indicador é pior em relação ao indicador da melhor região.
A metodologia que dá base ao mapa prevê que, após os cálculos dos indicadores, é preciso avaliar se os fatores de desigualdade melhoraram ou pioraram. Em seguida, organiza-se uma lista dos indicadores avaliados com o desigualtômetro e destacam-se os que melhoraram (cor verde), os que pioraram (vermelho) e os que permanecem iguais (amarelo). Para a avaliação das regiões com os piores indicadores é necessário fazer um recorte daquelas que aparecem entre as trinta piores para todos os indicadores. Com isso, é possível montar um ranking dos piores distritos e mostrar quantas vezes cada um deles aparece nessa lista, explicitando ainda mais a desigualdade. Em São Paulo, por exemplo, o distrito do Brás ocupa a primeira posição, já que aparece 26 vezes entre os trinta piores distritos nos quarenta indicadores analisados.
O objetivo final, a meta que sustenta a iniciativa, é reduzir a desigualdade, zerando os zeros e diminuindo a distância entre os indicadores melhores e piores nas regiões. Considerando que cada distrito de São Paulo é uma cidade de porte médio, deveria haver oferta completa de equipamentos para atender sua população em cada um desses territórios e, assim, começar a reduzir as desigualdades urbanas. Apesar dos pequenos avanços nos últimos anos, o abismo continua enorme.
Em grande parte dos 96 distritos de São Paulo não há instalações e serviços públicos adequados e suficientes. Enquanto um distrito mais central, como o Jardim Paulista, mantém uma taxa de 0,11% de adolescentes grávidas, em distritos na periferia, como Perus, adolescentes grávidas representam 19,41% do total de nascidos vivos. O índice de centros culturais, casas e espaços de cultura, por grupo de 10 mil habitantes, é de 3,58 no distrito da Sé (o melhor indicador da cidade), enquanto no Sacomã é de apenas 0,039 e, em São Mateus e outros 59 distritos, é zero. Em relação ao meio ambiente, os dados revelam que o total de área verde por habitante é 341,43 vezes maior em Parelheiros (o melhor índice) do que na Cidade Ademar (o pior), que possui apenas 0,77 m2 por habitante a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um mínimo de 12 m2 de área verde por habitante.
Em 2016, a iniciativa do Mapa da Desigualdade foi aprimorada e ganhou novos mecanismos para ampliar a disseminação das informações e otimizar a comunicação. O formato de apresentação foi aperfeiçoado, e está sendo lançado um aplicativo, que permite maior clareza na utilização dos dados georreferenciados e democratiza o uso dos indicadores. O sistema pode ser utilizado no planejamento de ações para as organizações da sociedade civil e governos.
O Mapa da Desigualdade também vem sendo utilizado como fomento de um projeto de comunicação, o site 32xSP (www.32xsp.org.br), uma iniciativa da Rede Nossa São Paulo e da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. O objetivo é dar visibilidade aos indicadores e revelar as desigualdades internas da cidade por meio de matérias jornalistas produzidas diária e exclusivamente para o projeto por uma rede de cerca de sessenta jornalistas que vivem nas regiões periféricas da cidade.
Com base na experiência paulistana, centenas de outros municípios brasileiros – por meio do Programa Cidades Sustentáveis e da Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis – estão sendo estimulados a criar seus próprios mapas. Para isso, a Rede Nossa São Paulo está elaborando um guia prático com um roteiro completo que aborda desde a importância da iniciativa para governos e sociedade até o passo a passo de como selecionar os indicadores e montar uma apresentação. Com essa ferramenta em mãos, as cidades terão a oportunidade de valer se de um diagnóstico preciso de suas regiões e, desse modo, incidir em políticas públicas que contribuam para a superação da desigualdade.
O projeto também colaborará para que a sociedade como um todo possa se apropriar de informações públicas e, assim, conquistar instrumentos para a transformação. O mapa procura preencher uma lacuna em termos de difusão de informações públicas, ampliando o alcance do conhecimento sobre os territórios e facilitando a assimilação dos dados disponíveis, tendo por metas o aprofundamento da democracia, a promoção da igualdade territorial e o horizonte do desenvolvimento sustentável.
Há um justíssimo clamor para que recursos públicos sejam utilizados com ética, competência e responsabilidade. Graças à lei que instituiu o Programa de Metas podemos cobrar do prefeito o cumprimento das metas e das promessas de campanha. Graças à Lei de Acesso à Informação, ao grande poder que tem a Câmara Municipal de fiscalizar a aplicação de todos os recursos, aos diversos conselhos da sociedade civil que atuam junto às secretarias e às subprefeituras, ao Ministério Público e à sociedade civil, é possível ter acesso a todas as contas e exercer um forte controle sobre a aplicação dos recursos públicos.
Para tudo isso, a informação é elemento essencial. É a partir dela que começa nossa obrigação de não se omitir, exercendo os deveres e direitos da cidadania. Ferramentas de informação e comunicação,como o Mapa da Desigualdade, são fundamentais para traduzir a realidade e impulsionar processos de transformação.
Ao visibilizar a desigualdade na cidade, o mapa orienta as ações para zerar os zeros e redistribuir os recursos às regiões mais pobres, bem como às áreas de maior necessidade detectadas pelos desigualtômetros, e, ao fim, permite avaliar se as desigualdades aumentam ou diminuem ao longo dos anos e dos mandatos.
Este artigo é parte do encarte Desigualdade em Movimento, publicado em parceria com Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e Le Monde Diplomatique Brasil. Acesse a publicação completa em: http://bit.ly/olcdem