A mobilidade nos centros urbanos é objeto de crescente preocupação no meio acadêmico e para os gestores de políticas públicas. O adensamento populacional em áreas de pequena extensão relativa, antes sinal de progresso e modernidade, atualmente apresenta problemas sérios de várias ordens que reverberam na capacidade de deslocamento dos indivíduos. A mobilidade urbana deficiente é um problema de múltiplas causas e, portanto, exige esforços em várias direções. Ao mesmo tempo, essas soluções envolvem grandes custos de planejamento e dependem de soluções em outras dimensões também problemáticas, como a maneira pela qual o território urbano é ocupado ou a questão ambiental. Além disso, o deslocamento pelas cidades tem impacto econômico considerável.
Nas grandes cidades brasileiras, de modo geral, a expansão urbana se deu como decorrência de um grande fluxo migratório das áreas rurais para as cidades, no sentido Norte-Sul do país – sem um proporcional aumento de infraestrutura que atendesse às necessidades do rápido crescimento. Essa expansão urbana teve causas e consequências econômicas: o deslocamento movido pela busca de melhores condições de vida proporciona a aglomeração das cidades, que, por sua vez, gera rendimentos crescentes, provocando maior crescimento econômico dessas áreas. A formação das periferias, comumente ocupadas por famílias de menores faixas de renda, deu às cidades brasileiras características muito marcadas: cinturões de pobreza bastante adensados formando uma franja urbana. Apesar do ganho econômico proporcionado por aquele incremento populacional, o adensamento mais rápido do que a capacidade de oferecer serviços públicos nessas regiões acentuou o problema do deslocamento dentro dos perímetros urbanos: os equipamentos públicos e a oferta de emprego permaneceram concentrados espacialmente, enquanto o espaço urbano se expandia. Esse contexto gerou fluxos pendulares populacionais em geral de mesma direção: maior deslocamento para regiões mais centrais para realizar atividades cotidianas ao longo do dia e maior fluxo às periferias no final do dia, retornando para seus domicílios.
Essa dinâmica faz os fluxos gerados pelo deslocamento cotidiano de pessoas serem similares tanto no trajeto como no modal de transporte utilizado. Dois efeitos decorrem dessa similaridade no trajeto e no modal de transporte: a sobrecarga dos sistemas de transporte e a sobrevalorização das regiões mais centrais das cidades.
Surge assim um desafio importante ao deslocamento urbano: atender às demandas por locomoção é altamente custoso. Por um lado, o volume desses deslocamentos seguindo os mesmos trajetos implica expandir a oferta de meios de transporte nessas direções em áreas já ocupadas; por outro, o custo de alterar vias urbanas adensadas em áreas centrais das cidades é elevado. O exemplo da ampliação de vias de metrô é emblemático: ainda que suporte o deslocamento de número considerável de passageiros, a construção de novas estações em áreas já ocupadas torna o empreendimento muito mais caro. As alternativas buscadas para resolver essas dificuldades passam pelo incentivo a transportes de superfície, como ônibus e trens urbanos, e a modais individuais, como bicicletas ou até mesmo deslocamentos a pé. A velocidade de deslocamento é o conceito-chave considerado nessa dimensão. O incentivo ao transporte público de fato provoca aumento na velocidade de deslocamento, notadamente em horários de pico, justificando a intervenção do poder público.
Do ponto de vista da ação governamental, o desafio está em criar essas opções ao mesmo tempo que se concorre com a tendência de aumento no transporte motorizado individual, seja via carro, seja via motocicletas. Estima-se para o ano de 2010, na América Latina, uma média de 2,5 registros de novo veículo motorizado para cada nascimento. Ainda que não seja uniforme em todas as cidades e países, a expansão do transporte individual está entre os mais preocupantes desafios que as cidades estão enfrentando. Não sem razão, a regulação do uso do automóvel está entre as principais soluções propostas por especialistas, pois essa tendência de aumento é inevitável e observável em todo o mundo. Ações como pedágio urbano, como feito em Londres, que transferem ao motorista do veículo os custos sociais de sua escolha, ou a cobrança de tarifas diferentes para o uso de vias em horários de maior pico, são recomendações que ainda suscitam bastante polêmica.
A emissão de poluentes é possivelmente o segundo maior desafio colocado para a mobilidade urbana. Os centros urbanos são em geral áreas em que há acúmulo de gases poluentes emitidos por veículos motorizados. Aproximadamente um quinto de toda a emissão de CO2 é gerado por veículos que utilizam combustíveis fósseis. Assim, a expansão de modais alternativos é vista como uma solução tanto para a redução da velocidade de deslocamento como para a qualidade de vida das populações urbanas.
Por fim, se a ação para a promoção de novas formas de deslocamento em áreas urbanas deve se adequar à distribuição da população pelo território, ela também cria incentivos para o deslocamento dessa população. Áreas mais bem servidas de diferentes modais de transporte e o próprio incentivo à criação de atividade econômica em novas áreas da cidade alteram os sentidos de deslocamento das pessoas. A preocupação com o deslocamento das pessoas deve acontecer ao mesmo tempo que se discute a forma como o território urbano será ocupado, por que tipo de construções e atividades, e quais áreas serão preservadas, como uma forma direta de garantir a viabilidade das grandes cidades em um futuro próximo.
Como pode ser visto, os desafios sobre a questão da mobilidade urbana são significativos e se desdobram em várias dimensões que se reforçam mutuamente. A mobilidade dentro de grandes centros urbanos é um desafio fundamental que se coloca como resultado de um longo processo histórico de formação das cidades e de aglomeração da população. Não será simples a alteração desse rumo.
Este artigo é parte do encarte Desigualdade em Movimento, publicado em parceria com Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e Le Monde Diplomatique Brasil. Acesse a publicação completa em: http://bit.ly/olcdem