A OXFAM – confederação internacional que luta contra a pobreza e a desigualdade em mais de 90 países – acaba de divulgar o relatório Terra, Poder e Desigualdade na América Latina, comparando o cenário da concentração das propriedades rurais em 15 países da região, com destaque para o Brasil. A partir da análise dos Censos Agropecuários locais, o estudo alerta que apenas 1% das fazendas ou estabelecimentos rurais na América Latina concentra mais da metade (ou 51,19%) de toda a superfície agrícola da região. A Colômbia é um dos casos mais extremos: só o 0,4% das propriedades concentram mais de 67% da terra produtiva. Já no Brasil, 45% da área rural está nas mãos de menos de 1% das propriedades.
“O modelo de desenvolvimento que prevalece na América Latina está baseado na exploração extrema dos recursos naturais e favorece a concentração de terras por poucas pessoas. Ou seja, temos de um lado poucos grupos que concentram a maior parte das terras, enquanto no outro estão muitas famílias com propriedades muito pequenas. Precisamos enfrentar essa desigualdade que, ano após anos, prejudica o desenvolvimento sustentável e o combate à pobreza não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Precisamos reconhecer esse abismo social histórico e colocar em prática uma reforma capaz de garantir um acesso mais democrático à terra”, acrescenta.
Desenvolvimento X Concentração
Junto com o relatório da América Latina, a Oxfam Brasil faz o lançamento do estudo Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, que explora mais profundamente a desigualdade no acesso à terra no país. O estudo sobre o Brasil revela que a questão da pobreza no país está associada à distribuição de terras e de recursos agrícolas. Altos índices de concentração fundiária trazem graves consequências para o desenvolvimento, em especial no âmbito municipal.
O estudo analisa os municípios com relevância agropecuária, agrupados em três categorias: os 1% com maior concentração de terras, os 19% seguintes e os 80% restantes, usando o último Censo Agropecuário do IBGE, de 2006 e o IBGE cidades de 2010. Quando essas cidades foram comparadas em termos de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm), de concentração de renda, de pobreza e outros, verificou-se que os melhores indicadores sociais estavam em municípios com menor concentração de terra.
Correntina, na Bahia, é um exemplo de município enquadrado entre os 1% de maior concentração fundiária (os latifúndios ocupam 75,35% da área total dos estabelecimentos agropecuários) e que atende o critério de relevância agropecuária. Nessa cidade, a pobreza atinge alarmantes 45% da população rural e 31,8% da população geral, e o Índice de Desenvolvimento Humano IDHm é de 0,603, bem abaixo da média nacional. De todas as autuações do Ministério do Trabalho e Emprego entre 2003 e 2013, 82% foram no Oeste da Bahia. Somente em Correntina, 249 trabalhadores foram resgatados da condição de trabalho análogo a de escravo no mesmo período.
A Oxfam Brasil também chama a atenção para a quantidade de terras ocupada por pequenos agricultores: os estabelecimentos com área inferior a 10 hectares representam mais de 47% do total de propriedades do país, mas ocupam menos de 2,3% da área rural total.
O relatório da Oxfam Brasil aponta ainda:
– A desigualdade de gênero na questão fundiária brasileira. São os homens que estão à frente de 87,32% dos estabelecimentos, representando 94,5% das áreas rurais brasileiras.
– Desigualdade no acesso ao crédito agrícola: as grandes propriedades rurais, com mais de 1.000 hectares, concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos menores estabelecimentos, esse percentual varia entre 13% e 23%.
– Mesmo sem acesso a recursos, são os pequenos produtores os responsáveis por produzir mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro.
– Segundo o Incra, existem 729 pessoas físicas e jurídicas no Brasil que se declaram proprietárias de imóveis rurais com dívidas acima de R$ 50 milhões à União cada. No total, esse grupo deve aproximadamente R$ 200 bilhões, com propriedades de área suficiente para assentar 214.827 famílias – quase duas vezes o número de famílias que estão acampadas hoje no Brasil esperando por reforma agrária.
Diante desse cenário, a Oxfam Brasil recomenda:
1. Reforma urgente pelo acesso à terra;
2. Políticas para reconhecimento e garantia dos direitos da mulher no meio rural;
3. Proteção dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades e povos tradicionais;
4. Distribuição equitativa e mais facilidade no acesso ao crédito por parte da agricultura familiar.
:: Acesse aqui o relatório Terrenos da desigualdade: Terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural
:: Acesse aqui o relatório Desterrados: tierra, poder y desigualdad en América Latina
:: Acesse aqui o sumário executivo de Desterrados: tierra, poder y desigualdad en América Latina