Morreu nesta quinta-feira, 10 de novembro, o socioambientalista Jean Pierre Leroy, uma das mais ativas e importantes lideranças na luta por justiça social e ambiental no Brasil.
Jean Pierre chegou ao país na década de 1970 e desde então esteve à frente de importantes movimentos por justiça social. Teve papel chave no apoio aos movimentos sociais brasileiros e na luta pela reforma agrária e na defesa das populações tradicionais na Amazônia.
Foi relator das Nações Unidas para a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente e esteve envolvido na organização da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na década de 1980. Nos anos em que esteve na coordenação nacional da FASE, assegurou que a educação popular, inclusiva e transformadora estivesse no cerne da instituição.
Para além dos títulos e do currículo profissional, Jean Pierre foi uma pessoa com grande senso de justiça. Seu trabalho refletia seus princípios e sua luta por um mundo mais justo e serviu de inspiração para muitas organizações e movimentos.
Na ocasião do lançamento do seu livro “Territórios do futuro: educação, meio ambiente e ação coletiva”, em 2010, Jean Pierre declarou que “nestes tempos de angústia e de dúvidas sobre o futuro da humanidade, não podemos deixar aos donos do poder político e econômico a tarefa de traçar o nosso destino. O caminho entre o possível e a utopia é o espaço no qual os cidadãos do mundo podem e devem agir”. Sua fala segue nos desafiando na construção de um outro mundo.
Em um dia tão triste para a sociedade civil e para os movimentos por justiça, meio ambiente e direitos humanos, nossa maior homenagem a Jean Pierre Leroy é não desistir do sonho por um mundo mais solidário, sustentável e menos desigual. Seguiremos na luta, Jean Pierre!
Katia Maia
Diretora Executiva da Oxfam Brasil
Uma caminhada de lutas*
Jean Pierre Leroy nasceu em 17 de janeiro de 1939 na Normandia, França. Chegou ao Brasil em 1971, passando a viver em Belém. Lá se aproximou de pescadores e agricultores familiares e, dois anos depois, se mudou para Santarém e passou a ser educador da FASE. Seu trabalho junto à equipe era voltado para produtores em pequenas roças, agroextrativistas e para organização sindical de trabalhadores. Ainda nessa década, foi para o Maranhão trabalhar em uma região de fronteira submetida à grilagem e à violência. Logo depois, foi para o Rio de Janeiro para fazer estudos sobre regiões no Paraná, no Maranhão e no Pará.
Em 1979, assumiu a coordenação nacional da FASE, exercendo a função até 1983, quando passou a ser coordenador nacional adjunto. A conjuntura de ditadura recomendava que o coordenador nacional tivesse um perfil de atuação mais discreto, que não chamasse a atenção e desse respaldo à organização.
Envolveu-se, então, na reorganização sindical, em particular pelas Oposições Sindicais, urbano-industriais e rurais, e na organização da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Como coordenador nacional da FASE, Jean Pierre liderou o processo de resgate da sua identidade institucional como organização voltada para a educação popular, assegurando de forma democrática e pluralista as bases para a consolidação institucional da FASE e a continuidade do seu compromisso com a transformação social, nas décadas seguintes.
Nos anos 1980, esteve ativo em encontros sul-americanos. A Amazônia continuava a ser um dos seus grandes centros de interesse. Desde 1988, quando nasceu o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica, se tornou um colaborador periódico do movimento.
Em 1990, participou do Fórum de ONGs Brasileiras preparatório para a Conferência da Sociedade Civil sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, recentemente criado, e integrou a sua coordenação coletiva. Em 1991 e 1992, a FASE assumiu a secretaria executiva do Fórum, sendo Jean Pierre Leroy seu secretário. Coordenou a contribuição coletiva da instituição, que passou a chamada, a partir de 1993, de Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em 1996, nasce o Projeto Interinstitucional Brasil Sustentável e Democrático e Jean Pierre assume a coordenação executiva.
“Interinstitucional” porque sempre pareceu a ele que a produção intelectual, para entidades como as envolvidas na iniciativa, não poderia se dar da mesma maneira do que na academia. A produção coletiva de conhecimento, nesse contexto, seria fundamental. A Projeto se envolvia em estudo, formação e busca de influência sobre políticas públicas. O seu ponto de partida era o questionamento ao modelo de desenvolvimento, “socialmente excludente e ambientalmente catastrófico”. Até 2002, produziu um número importante de publicações, em particular “Tudo ao mesmo tempo Agora – Desenvolvimento, sustentabilidade, democracia, o que isso tem a ver com você”. Mais tarde, incentivou a formação de coletivos semelhantes no Chile, no Uruguai, na Argentina e, em um grau menor, no Paraguai e na Bolívia.
Em 2002, foi indicado para ser Relator para o Direito Humano ao Meio Ambiente, em ação coordenada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais. Com isso, cruzou o país produzindo relatórios sobre conflitos e violações aos direitos humanos que envolviam agricultores familiares, agroextrativistas, contaminação de manguezais, violências contra pescadores, populações urbanas, impactos pela expansão do eucalipto, conflitos fundiários, ação de madeireiros, ameaças e assassinatos. Como exemplo, fez estudos sobre os desmandos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e contra indígenas Xavante, da Terra Marawatsede, no Mato Grosso. Pode repercutir denúncias em Genebra, na Comissão de Direitos humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), e em Washington, junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Participou da fundação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), também em 2002, e poucos anos depois, da coordenação do Mapa de Conflitos Ambientais do Estado do Rio de Janeiro, que gerou a construção de um novo instrumento voltado para grupos sociais atingidos por empreendimentos, chamado de Avaliação de Equidade Ambiental. Em 2009, recebeu o Prêmio João Canuto, que leva o nome do primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, assassinado em 1985. A premiação foi concedida pelo Movimento Humanos Direitos, em homenagem a pessoas e instituições que se destacam nas lutas pelos direitos humanos.
Jean Pierre Leroy esteve ao longo da vida comprometido com os movimentos sociais e com os rumos da sociedade brasileira. Demonstrou preocupação com os ataques à democracia e aos direitos básicos pelos quais passa atualmente o Brasil. Defensor da reforma agrária, esteve ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assim como de muitos outros, em defesa da liberdade de organização. Para ele, a “reforma agrária não é só assentamento, mas um grande projeto de reconstituição do território, da agroecologia, é algo fundamental para as políticas e para a saúde”.
*Texto publicado pela FASE