A atuação negligente e desordenada do governo federal, a ausência de campanhas públicas informativas, a gestão inadequada e falta de estratégia nacional entre a União e os estados estão entre os principais fatores que impediram o país de atingir a meta vacinal de 90% contra a covid-19 estabelecida pelo Ministério da Saúde e deixou milhões de brasileiras e brasileiros expostos aos riscos da covid-19 em diversas regiões brasileiras.
A gestão sanitária e estratégica do governo brasileiro durante a pandemia de covid-19 foi analisada pelo estudo “Desigualdade no Acesso a Vacinas contra Covid-19 no Brasil”, que a Oxfam Brasil lançou nesta quarta-feira (23/11) no 13º Congresso de Saúde Coletiva promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) em Salvador (BA).
O Brasil teve cerca de 700 mil mortes por covid-19 durante a pandemia, e a maioria delas (424 mil) ocorreu quando já havia vacina disponível, em 2021 – no ano anterior, morreram cerca de 195 mil pessoas no país.
IDH determina índice de vacinação
Entre os 26 estados e Distrito Federal, apenas São Paulo superou a meta de 90% de cobertura vacinal completa estabelecida pelo Ministério da Saúde, chegando a 91%. Em Roraima e Amapá, a cobertura não chegou a 60%. A média nacional de vacinação da população com uma das quatro vacinas disponíveis – Janssen, Coronavac, Pfizer e Astrazeneca – ficou em pouco mais de 78% (dados de outubro de 2022). O estudo mostra ainda que cidades com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tiveram taxas de cobertura vacinal mais baixas e apenas 16% dos municípios brasileiros chegaram a 80% de vacinação (a maioria no Sul do país).
Na região Sul, 30% dos municípios apresentavam mais de 80% da população com esquema de vacinação completo, na região Sudeste 27,2%, no Centro-Oeste 11,8%, no Nordeste 2,7% dos municípios e na região Norte apenas 1,1%.
“Nosso relatório revela como as desigualdades impactaram de maneira decisiva o direito à saúde das brasileiras e brasileiros, especialmente as pessoas que vivem em cidades e estados mais pobres, nos quais as fragilidades no sistema de saúde são maiores”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
“Os grupos em maior situação de vulnerabilidade no país – crianças, povos indígenas, mulheres, pessoas negras, idosos e pessoas de baixa renda – foram os mais impactados pela má-gestão da estratégia de enfrentamento da pandemia pelo governo federal”, afirma Jefferson Nascimento, coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil.
O estudo
lançado pela Oxfam Brasil foi realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de
Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP-USP), com base em dados do Vacinômetro Covid-19 da RNDS/SASISUS e do
IBGE. e entrevistas com gestores governamentais,
representantes de organizações não governamentais e outros especialistas.
Propostas e recomendações
O estudo da Oxfam Brasil tem como objetivo contribuir para o debate público e evitar que os muitos erros e a negligência cometida durante a pandemia não se repitam. Para tal, apresentamos uma série de propostas e recomendações regionais e nacionais, de curto, médio e longo prazos:
Curto prazo
- Avaliar e revisar o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) sob a perspectiva das desigualdades de renda, raça/cor e gênero.
- Aperfeiçoar mecanismos de coleta de dados sobre a vacinação contra a covid-19, melhorar sistema e contratar profissionais para sua alimentação – atenção especial para a inclusão de dados sobre raça/cor.
- Organizar, pelo Ministério da Saúde, campanhas nacionais de comunicação em saúde para vacinação, com ações pró-vacina, em parceria com organizações, grupos e coletivos negros nos territórios ocupados pela população negra (quilombos, favelas, bairros periféricos, terreiros, assentamentos, populações de campo, escolas públicas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, e em situação de rua, entre outros).
- Organizar, pelo Ministério da Saúde, campanhas nacionais de comunicação para desfazer a propaganda anti-saúde pública promovida pelo governo federal nos últimos 4 anos, principalmente em relação à vacinação.
- Formar profissionais de saúde com foco no combate aos movimentos antivacina e ao negacionismo científico.
- Formar profissionais da saúde para o preenchimento adequado das informações de cor/raça dos pacientes.
- Retomar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, adotando estratégias de encorajamento e regulatórias para ampliação de sua efetividade.
Médio prazo
- Adotar lei federal para reorganizar o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e o PNI, adotando um enfoque de direitos humanos da segurança sanitária.
- Ampliar financiamento das ações de prevenção de doenças infectocontagiosas e de preparação para emergências de saúde, notadamente das campanhas de vacinação.
- Ampliar parcerias entre centros tecnológicos brasileiros e estrangeiros para a produção no Brasil de vacinas de interesse do SUS.
- Retomar política externa brasileira de saúde, com o desenvolvimento da cooperação internacional no campo das vacinas, principalmente no âmbito do BRICS e da América do Sul.
- Exercer liderança nas negociações internacionais relacionadas ao acesso a vacinas contra covid-19, particularmente os foros relacionados à propriedade intelectual e o acordo sobre pandemias atualmente negociado no âmbito da OMS.
- Fomentar pesquisa que promovam estratégias metodológicas em saúde coletiva de maneira a levar em conta o racismo estrutural e outras dimensões da desigualdade, incluindo editais específicos de agências de fomento e mecanismos de premiação e reconhecimento de pesquisadores.
Longo prazo
- Criar programas de fomento e difusão de boas práticas em matéria de promoção da equidade no acesso a vacina contra a covid-19 que contemplem questões de renda, raciais e de gênero.
- Investir recursos públicos no complexo econômico e industrial de vacinas brasileiro, inclusive em inovação farmacêutica.
- Induzir inovações sociais farmacêuticas, sobretudo para vacinas e medicamentos para necessidades de saúde não atendidas (doenças raras e negligenciadas).