Apesar dos muitos avanços no debate e na definição de normas e tratados internacionais que busquem a garantia dos respeitos dos direitos humanos por empresas multinacionais, a voluntariedade na assinatura e na adoção e a dificuldade de punição favorece a impunidade dessas empresas fora de seus países de origem. Esse foi um dos principais pontos de debates da mesa “Mecanismos de responsabilização das empresas, o sistema de justiça brasileiro e a extraterritorialidade”, última mesa de debates do seminário “Empresas e investimentos brasileiros no exterior”, organizado pela Oxfam Brasil em parceria com a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). O evento foi realizado nesta quinta, 22, e sexta, 23, em São Paulo, e contou com a participação de cerca de 60 representantes de movimentos sociais da América Latina.
“Em uma primeira pesquisa, percebemos que há poucos casos que estejam no Ministério Público ou na justiça sobre violações de direitos por parte de empresas transnacionais. Por isso, o primeiro desafio é que os movimentos sociais apresentem mais casos para que se tenha uma massa crítica e uma estratégia de atuação, seja extrajudicial, via MP, seja ajuizando ações por danos causados a grupos ou comunidades no exterior por empresas brasileiras”, declarou o procurador da República Sergio Suiama, do Ministério Público Federal. “Há poucos casos porque não atuamos de maneira globalizada, ao contrário das empresas. Estamos cada um olhando para dentro do seu quadrado, sem buscar uma estratégia política ou jurídica para atuação global. Por isso é importante o fortalecimento das redes de movimentos sociais e inserir os mecanismos de proteção dentro dessas redes.”
Ainda segundo o procurador, há dois grandes problemas que dificultam que empresas brasileiras sejam condenadas por crimes cometidos fora do território nacional. O primeiro é a representação processual e a falta de garantias de que a compensação ou indenização realmente chegue às comunidades que sofreram os danos. O segundo é a falta de cooperação direta internacional – embora exista, ainda não há muita cooperação para envio de provas encontradas no país para que sejam usadas para subsidiar ações cíveis ajuizadas por comunidades afetadas no exterior.
Instâncias internacionais e políticas públicas
Casos de maior impacto e que exigem a responsabilização de diferentes atores podem ser levados para instâncias internacionais. Segundo a advogada da Justiça Global, Raphaela Lopes, esse processo nunca é uma decisão única, “mas também da comunidade afetada considerando todas as tentativas que já foram feitas e os danos que a ação está causando”. Nestes casos, além do caráter jurídico, existe o caráter político da estratégia, já que se busca “responsabilizar o Estado e os autores causadores de danos, o que exige o envolvimento de muitos atores, como vítimas e movimentos sociais”.
“As empresas não têm personalidade jurídica dentro do sistema interamericano, logo não podem ser condenadas por violação de direitos humanos por uma corte internacional de direitos humanos. Por isso, a gente sempre tem que trazer a figura do Estado junto e, em muitos casos, essa vinculação é quase impossível de ser comprovada. Isso é um obstáculo que é bem difícil de se transpor”, completa.
Apesar de serem processos mais complexos e longos, os casos levados às instâncias internacionais, quando julgados, podem se tornar políticas públicas. “Os casos que escolhemos levar para espaços interamericanos são casos que estão para além deles mesmos. E uma condenação assim deve se tornar uma política pública, para que casos assim não voltem a acontecer. É o caso da Lei Maria da Penha e a formação da Comissão Nacional da Verdade. São documentos importantes para ensejar mudanças na sociedade.”
Alternativas à impunidade
“Falar sobre responsabilizar empresas transnacionais é falar sobre ausências. É falarmos de um cipoal para que a responsabilização nunca aconteça, é falarmos de arquitetura da impunidade. Os processos acontecem sem transparência, sem participação das sociedades”, ressaltou a advogada especialista em assuntos humanitários representante da rede Enlanzando Alternativas, Renata Reis. “Com todas essas ausências, buscamos aproveitar a quantidade de violações óbvias por parte das empresas na América Latina para organizar tribunais populares dos povos”, completa.
“A gente precisa trazer um direito de baixo para cima, que dê destaque aos povos afetados, às vítimas”, concorda a coordenadora da HOMA (Centro de Direitos Humanos e Empresas na Universidade Federal de Juiz de Fora), Manoela Roland. “Temos um direito internacional que é bem resistente quanto às normas de responsabilidade social empresarial, mas que é pouco denso e eficaz na proteção das vítimas e dos povos afetados.”
Entre as alternativas apontadas durante a mesa para que as empresas sejam punidas e adotem políticas mais responsáveis está a busca por brechas na legislação local que permitam processos, a tentativa de levar casos aos conselhos e acionistas das transnacionais, e ações que tornem pública a violação dos direitos, como divulgação na imprensa e campanhas.