Políticas públicas voltadas à área social tiveram redução de até 83% no orçamento nos últimos três anos, revela estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) feito em parceria com a Oxfam Brasil e Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR, na sigla em inglês), apresentado nesta quinta-feira (14/12) em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Segundo o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, seguida dos programas voltados à segurança alimentar, mudanças climáticas, moradia digna e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
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A situação ficou ainda mais drástica com a aprovação, há um ano, da Emenda Constitucional 95 – o Teto de Gastos -, que congela investimentos públicos na área social por 20 anos. Segundo o estudo apresentado na audiência, as consequências poderão ser desastrosas aos brasileiros, especialmente os mais pobres. Por isso, as organizações sociais presentes pedem a a realização de uma consulta à população brasileira pela revogação da Emenda Constitucional 95, iniciando uma campanha nas redes sociais (procure pela hashtag #RevogaEC95).
Participaram da audiência representantes do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Plataforma Dhesca, Oxfam Brasil, Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), Intervozes, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular. A audiência foi presidida pelo deputado Paulão (PT-AL), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
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Grazielle David, assessora política do Inesc, entre várias amostras, apresentou três aspectos do estudos que apontam de forma exorbitante o retrocesso, considerando as políticas de combate à fome, para mulheres e de acesso a medicamentos. “Estamos com uma ameaça séria de voltar ao mapa da fome”, alertou Grazielle, ao apresentar as medidas que inviabilizam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), importante política de fortalecimento da agricultura familiar.
Todas essas medidas, uma vez que afetam os mais pobres, ampliam as diferenças sociais, deixando os mais ricos e os mais pobres em trincheiras cada vez mais distantes, reforçando um retrocesso à “naturalização da fome e das desigualdades”, conforme lembrado também pela Erika Kokay (PT-SP). “Hoje, os seis homens mais ricos do Brasil têm a mesma riqueza de mais de 100 milhões dos brasileiros pobres”, lembrou Grazielle. Além disso, os 15% mais ricos são os que têm a maior renda não-tributável. “O imposto de renda não consegue ser progressivo aos mais ricos, que acabam pagando menos impostos”, afirma.
Da Plataforma Dhesca, a coordenadora Denise Carreira trouxe informações obtidas diretamente em missões no interior do país, em cidades de Goiás, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. “Nós fomos ouvir as famílias afetadas e vimos um desmonte, por exemplo, das políticas de agricultura familiar e reforma agrária”, revelou, apontando ainda o aumento da violência nas comunidades, contra os povos indígenas, a população de rua e o desmantelamento das políticas de saúde, revelando o agravamento, por exemplo, das epidemias de arbovirose em Pernambuco.
O povo não cabe no orçamento
“A emenda da morte está mais viva que nunca”, anunciou a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP). A audiência foi realizada um dia após a votação da nova Lei Orçamentária Anual (LOA) do ano de 2018, “que será o primeiro ano do impacto concreto ameaçador” da EC 95, conforme a deputada. “Eles praticamente zeraram as receitas da educação, saúde, assistência social, saneamento básico, ciência e tecnologia. Juntando isso à reforma trabalhista, é a sensação do fim do mundo”.
Entrando em detalhes, “a LOA vai fazer vai fazer um corte de 97% do Fundo Nacional de Assistência Social. A reforma agrária, no que se refere aos investimentos sociais no campo, vai ter um corte de 86%. E mais de 90% de corte do saneamento básico”, afirmou Alexandre Varela, da Frente Povo Sem Medo. “E onde falta saneamento básico? Aos mais pobres e carentes”.
Emenda ditatorial
Para além dos desmontes nas políticas sociais, também é necessário apontar os danos no próprio processo democrático. “É uma emenda ditatorial”, afirma Darci Frigo, atual presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. “Ela impede que os brasileiros possam escolher democraticamente quais rumos a economia do país deve seguir. Ela, portanto, nega a democracia, por isso é ditatorial”.
Nos termos da própria emenda, conforme também lembrou Diego Vedovatto, da Frente Brasil Popular, ela restringe a participação pública não somente da sociedade, como do próprio Estado. “A emenda amarra o legislativo a deliberar sobre o futuro da nação. Os próximos 5 mandatos presidenciais não poderão discutir essa política financeira. É uma gravíssima decisão”, afirmou.
Revogação Já!
Todos os dados apresentados compõem um amplo dossiê a ser organizado pelos movimentos presentes a fim de fortalecer uma campanha pela revogação da EC 95. A ideia é que nesta sexta-feira de aniversário da emenda, as redes sejam infladas com todos os dados ali apresentados a fim de conscientizar sociedade, legislativo e judiciário. Várias forças já se engajaram conjuntamente em medidas pela revogação, com calendário que segue até 2018.
Eugênia Augusta Fávero, da Procuradoria Federal da República, afirmou que pela pasta dos Direitos do Cidadão já há uma propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra a emenda. “Por isso mesmo, é importante que esses dados sejam também apresentados à Procuradoria”, afirmou Eugenia, citando ainda projetos como o Fundo dos Direitos Difusos Lesados que, em meio aos desmontes, precisa ser fortalecido como via de escape das políticas de austeridade econômica.
“Mas revogar essa emenda não basta. É preciso um referendo revogatório de todas as medidas que devastaram as políticas sociais nesse período”, disse Diego Vedovatto, apresentando uma pauta que indicou forte sintonia à campanha a ser lançada a partir daquela data e que terá que ser parte significativa dos programas eleitorais do próximo pleito. “Não adianta a gente questionar, se a gente não cobrar isso do novo parlamento que será eleito. Os próximos deputados devem estar comprometidos com essa causa”, reforçou Denise Carreira, da Plataforma Dhesca.
A audiência pública é desdobramento da relatoria especial sobre as consequências da política de austeridade e congelamento do investimento público lançada em outubro pela Plataforma Dhesca Brasil – rede formada por 40 organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos. A relatoria investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.